12/05/2022 - 16:57
Desde 1973, quando legalizou o aborto em todo o território norte-americano, deixando aos estados somente a missão de regulamentar, cada um a seu critério, o prazo máximo de gestação no qual ele pode ser realizado, a Suprema Corte dos EUA sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria um novo encontro marcado com essa questão. O momento demorou quarenta e nove anos. Agora chegou, e a aprovação federal do aborto está na iminência de cair por completo. Vejamos o motivo:
Temas dessa complexidade e envergadura têm de ser resolvidos e pacificados pelo Congresso, não pelo Poder Judiciário. É para isso que os congressistas recebem a investidura do mandato popular, enquanto magistrado algum se torna legítimo na função porque foi eleito pelo povo. Isso não desmerece nem desqualifica nenhum juiz. O que se quer mostrar é que o funcionamento e a funcionalidade da tripartição dos poderes são essenciais.
No Brasil é comum vermos deputados federais e senadores se esquivarem de questões que possam complicá-los perante a opinião pública quando ela está dividida — e, assim, empurram o assunto até o limite, tornando inevitável uma tomada de posição pela Justiça.
Fenômeno idêntico ocorre nos EUA em relação ao aborto. A Suprema Corte foi provocada a decidir no famoso caso Roe versus Wade (1973) e legalizou a interrupção da gravidez desde que praticada até a vigésima quarta semana de gestação. De lá para cá passou meio século sem que o Poder Legislativo tocasse no assunto.
A Suprema Corte está prestes a julgar, agora, um recurso que envolve o estado do Mississipi, onde há uma decisão que limita a legalidade do aborto até a décima quinta semana de gravidez. Ocorre, no entanto, que recentemente vazou para a mídia um rascunho do voto do juiz norte-americano Samuel Alito, um dos seis magistrados conservadores que compõem o tribunal. Nesse rascunho, Alito vota pela derrubada da legalização como um todo, anulando a decisão de 1973, alegando que não cabe ao Judiciário tentar pacificar o assunto porque ele é matéria legislativa. Ou seja, como dissemos acima, compete a deputados e senadores elaborarem uma lei sobre o tema. Trazendo as anotações de Alito para a dramaturgia de Nelson Rodrigues, pode-se dizer que nos EUA, muito provavelmente, daqui para frente todo aborto será castigado.
A Corte tem nove juízes, seis conservadores e três liberais — deve prevalecer o voto rascunhado por Alito. Na verdade, os integrantes do tribunal mais conceituado em todo o mundo não estarão declarando suas posições. Ao derrubarem a legalização do aborto, eles estarão simplesmente mandando o Poder Legislativo dos EUA trabalhar em uma questão extremamente difícil, mas que está dentro da competência e da obrigação de deputados e senadores.