Nos últimos 15 anos, novas configurações de família surgiram e mostraram suas caras. Todas elas se diferem do formato tradicionais composto por mãe, pai e filhos, que continuam por aí. Por outro lado, o esgotamento do Partido dos Trabalhadores também pode ser observado, e inspira o trabalho da Tablado de Arruar ao refletir os últimos anos do PT na perspectiva de famílias de diversas classes sociais. Esta é a terceira parte do Projeto Abnegação, que entra em cartaz só no fim do mês, mas, nesse fim de semana, a companhia retoma Abnegação I.

O dramaturgo Alexandre Dal Farra afirma que a ideia do projeto foi considerada suicida, dado os anos de militância dele e de outros artistas do grupo no partido. “Alguns amigos nos acusaram de querer dar munição para a direita.” Em Abnegação I, a cúpula do partido se reúne em um jantar para discutir um acontecimento do passado que vem à tona. Para proteger o coletivo, um dos membros se vê obrigado a tirar a própria vida, consequência que assombrará os demais envolvidos. “No início, não havia nenhuma citação ao PT. Era quase um pretexto. O desejo era repensar criticamente a trajetória do partido”, recorda o diretor Clayton Mariano. “Uma peça feita da esquerda para a esquerda”, completa Dal Farra.

A investigação ganhou fôlego e solicitou uma nova empreitada da companhia. E, em 2015, estreou Abnegação II – O Começo do Fim, que faz temporada a partir do dia 16. Dessa vez, a montagem ambientada 15 anos antes do primeiro espetáculo trazia a história de Jorge. O homem não quer mais fazer parte de uma lógica política que ele mesmo ajudou a instaurar, o que é um convite para ser eliminado. O tom violento da peça citava o episódio do assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, em 2002. “Aqui há uma exploração da perversidade, e da violência, provocada pela chegada ao poder”, conta Dal Farra.

Se não fosse possível prever, a chegada de Abnegação III – Restos surge para tentar conferir o que restou. Seja com o fim do lulismo, como diz o dramaturgo, ou no andamento do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. A violência presente na montagem anterior foi filtrada para o ambiente familiar. “Queríamos olhar para o País que já é fruto de tudo isso”, diz Dal Farra. Para Mariano, o olhar macro de Abnegação II agora perde protagonismo para o discurso de famílias de diversas classes sociais.

O texto de Dal Farra procura tecer retratos desses lares, os perfis de seus integrantes e o quanto eles são atravessadas pela coexistência com o partido. Para isso, há um ponto central na trama, que se liga com os outros. “Em cada casa, há alguém que foi ou que ainda trabalha no partido. A relação desses indivíduos vira discussão familiar.” Em uma cena, o padrasto quer forçar o filho delicado a cortar a carne com vontade, durante o jantar. Em outra, há o pretenso desinteresse dos jovens pela política. “Também há um rompimento de gerações, o que acontece no mundo todo. As velhas ferramentas não servem mais e a nova geração ainda não conseguiu criar novas maneiras”, diz o dramaturgo.

Se, em Abnegação II, o poder envenenou grandes políticos, na nova montagem a aposta é por refletir, em escala menor, os efeitos colaterais das decisões federais. “Alguém está vindo e ninguém sabe quem é. Esta é a sensação das personagens. Isso é mais triste que violento”, diz o dramaturgo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.