O maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima, bronze em Atenas-2004, foi o responsável pelo momento mais icônico da cerimônia de abertura dos Jogos Rio-2016 ao acender a pira olímpica, marcando o início cerimonial da primeira Olimpíada disputada na América do Sul, na noite desta sexta-feira (5), num Maracanã lotado. Vanderlei foi o escolhido após o ex-jogador de futebol Pelé, o “atleta do século”, declinar do convite por razões médicas. A tocha foi levada até o maratonista pelo ex-tenista Gustavo Kuerten e pela ex-jogadora de basquete Hortência.
A cerimônia, que não teve o mesmo banho de recursos tecnológicos das edições de Londres-2012 ou Pequim-2008, mas abusou das projeções digitais, foi marcada pela mensagem de preservação da natureza e de tolerância entre as pessoas. “O Brasil, com a maior floresta e a maior biodiversidade do planeta, é o lugar certo para que essa mensagem seja passada”, afirmou o comitê organizador em nota.
O evento foi dividido pelos idealizadores em três partes: a gambiarra (“o talento brasileiro para fazer o máximo do nada”); a beleza da arte produzida no Brasil; e a busca pela paz com o planeta. “A gente teve muito menos do que qualquer uma das últimas cerimônias. Trabalhamos usando essa força a nossa favor. Temos uma coisa de alta tecnologia, que é a projeção. Para o resto, nos viramos nos trinta”, afirmou o diretor criativo, Andrucha Waddington, que contou ter recorrido ao centro de comércio popular do Rio de Janeiro. Essa condição ficou óbvia no decorrer da cerimônia, que não foi tão impactante visualmente, ficando mais bonita pela TV do que ao vivo.
Entre os atletas os brasileiros, além de Guga, tiveram destaque na abertura da Rio-2016 o ex-jogador de vôlei de praia Emmanuel Rego, a ex-jogadora de vôlei de praia Sandra Pires, o ex-atleta Joaquim Cruz, a jogadora de futebol Marta, o ex-jogador de basquete Oscar Schmidt e o velejador Torben Grael, ganhador de cinco medalhas olímpicas, duas delas de ouro. Todos eles carregaram a bandeira olímpica. Robert Scheidt, velejador, pronunciou o juramento olímpico.
No início da cerimônia, o Maracanã não estava completamente cheio. A lotação total só foi atingida após cerca de 15 minutos de evento. Segundo relatos de espectadores à ISTOÉ, os procedimentos de segurança na entrada do estádio dificultaram o acesso.
O ESPETÁCULO
O cantor Paulinho da Viola, que executou o hino nacional, e a modelo Gisele Bündchen, representando a “Garota de Ipanema”, também marcaram presença. O presidente em exercício Michel Temer, que apareceu ao lado do presidente do Comitê Olímpico Internacional, o alemão Thomas Bach, não foi formalmente apresentado no início da cerimônia. Isso representou uma quebra de protocolo do COI em relação a outras aberturas olímpicas.
A festa também celebrou a diversidade sexual e de gênero ao falar dos 50 mil voluntários que fazem a Olimpíada. A modelo transexual Lea T marcou presença, representado os cinco transexuais que trabalham voluntariamente nos Jogos. Alguns deles lideraram os atletas das delegações, pedalando em triciclos decorados.
O início da cerimônia falou do Brasil. Usando projeções, marionetes e composições artísticas feitas com elementos como alumínio e plástico, os bailarinos ilustraram o início da vida e o aparecimento da biodiversidade no País. Em seguida, com o uso de elementos geométricos e acrobacias, falou-se da formação do povo brasileiro, com os habitantes originais indígenas e os imigrantes europeus, africanos, árabes e asiáticos. Visualmente, foi um início marcante.
O segmento seguinte celebrou o aparecimento das cidades, evidenciado pelo “skyline” de prédios cenográficos colocado no palco do espetáculo. A arquitetura é celebrada, assim como a inventividade brasileira, exemplificada pelo 14-Bis, o avião criado por Santos Dumont, que, em vídeo, saiu voando pelo Rio de Janeiro. Essa parte da cerimônia também falou da internacionalização do Brasil por meio da música (Tom Jobim), da arquitetura (Oscar Niemeyer) e da moda (Gisele Bündchen, que foi celebrada ao desfilar ao som de “Garota de Ipanema”).
A voz do morro, a cultura popular e a força das mulheres negras transformaram o Maracanã numa imensa jukebox, falando de empoderamento, de superação das disputas, e passando a mensagem da tolerância. Maracatu, espadas de fogo, “treme-treme” e outras manifestações culturais brasileiras deram o tom do segmento, que também teve apresentação de Ludmilla, MC Soffia, Zeca Pagodinho e Marcelo D2, entre outros artistas. Essa parte da abertura foi seguida pela apresentação do “país tropical” brasileiro, ao som de Jorge Ben Jor, e com participação efusiva do público, que cantou à capela após uma série de fogos de artifício.
Imagens da Nasa, projeções sobre aquecimento global e um menino perdido entre torres espelhadas deram início à parte do show que tratou da necessidade de preservação do planeta. A mensagem é de “uma ideia simples que ajuda muito”, tratando da conservação das florestas e do replantio. As atrizes Fernanda Montenego e Judi Dench (britânica) interpretaram o clássico de Carlos Drummond de Andrade “A Flor e a Náusea”, anunciando a esperança no nascimento de uma pequena planta.
O desfile dos atletas, pela primeira vez na história, apresentou uma ação pela preservação da natureza. Cada um dos esportistas recebeu um “tubete” com substrato para semear uma árvore nativa do Brasil. Segundo a organização, o plantio de 207 espécies será um dos legados dos Jogos do Rio.
Os aros olímpicos, grandes símbolos da Olimpíada, foram representados em verde, como se tivessem nascido das mudas plantadas pelos atletas.
A equipe de refugiados, presente no evento pela primeira vez, foi muito aplaudida. Yane Marques, do pentatlo moderno, carregou a bandeira brasileira à frente da maior delegação do País na história dos Jogos. O Brasil, como país-sede, fechou o desfile, e foi seguido pela parte mais “burocrática” do evento: discursos do presidente do COB e do Comitê Organizador Rio-2016, Carlos Arthur Nuzman (“Deste Brasil de hoje, nasce um mundo novo”), e do presidente do COI, Thomas Bach.
Bach também entregou, pela primeira vez na história, um prêmio do COI para o medalhista queniano Kip Keino, bicampeão em corridas de meio-fundo. Hoje, o ex-atleta foi reconhecido pelo trabalho em prol da educação em seu país natal.
Em seguida, o presidente em exercício, Michel Temer, abriu oficialmente os Jogos, ao som de vaias de parte dos presentes.
A “apoteose” dos atletas foi marcada pela canção de Ary Barroso “Isso Aqui, O que É”, executada por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Anitta. Todos foram acompanhados por passistas, mestres-salas e porta-bandeiras das escolas de samba vencedoras do Carnaval 2016. O grande final do segmento foi a participação das baterias, que agitaram o público do Maracanã.
A pira olímpica acendida por Vanderlei Cordeiro de Lima, ao contrário dos anos anteriores, não teve grande volume de fogo. Refletida em uma estrutura em formato de sol, ela foi pensada para passar a mensagem da redução de emissões de carbono. Após a cerimônia, o fogo foi levado do Maracanã ao Boulevar Olímpico, onde deverá permanecer até o fim dos Jogos.
Uma grande queima de fogos encerrou o espetáculo, acompanhado por um público estimado em 3 bilhões de pessoas no mundo todo.