A indignação dos brasileiros contra os desmandos na política e a possibilidade de que um ex-presidente condenado em segunda instância escape da prisão foram o gatilho para um descontentamento que só encontrou paralelo, na história recente, nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. O ápice deve ocorrer entre o final da tarde e a noite de terça-feira 3, na Avenida Paulista. Neste dia, os grupos Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre (MBL) devem exortar às ruas milhares de vozes para que, em uníssono, repudiam qualquer tentativa – marota ou não – de rever a prisão após a condenação em segunda instância, cujo efeito automático e imediato seria livrar das grades o ex-presidente Lula e mais uma centena de políticos, empresários e criminosos condenados à cadeia. Para a véspera do julgamento do mérito do habeas corpus do petista, que pode gerar uma jurisprudência deletéria ao País, em especial ao combate aos crimes de colarinho branco, foram convocadas mobilizações em quase 50 cidades de 19 estados. A expectativa dos organizadores é atrair tanta gente quanto nas marchas pela deposição de Dilma, dada a aderência e a proporção que o tema ganhou nos últimos dias. “Salvar Lula é salvar os bandidos. Já tem gente apostando que isso vai virar jurisprudência, o que nos lançaria num abismo de impunidade”, diz Adelaide Oliveira, coordenadora nacional do Vem Pra Rua. Dos 77 condenados em segunda instância na Operação Lava Jato, nove estão encarcerados e outros onze podem ir para trás das grades em pouco tempo, incluindo Lula, se o STF não dar um cavalo de pau e mudar o entendimento sobre o início do cumprimento de pena – os demais aguardam julgamento de recursos. “Seria criada uma grande insegurança jurídica. Por isso vamos fazer pressão [nas ruas]”, diz Adelaide.

INDIGNAÇÃO Protestos contra PT e ministros do Supremo mostram o quanto população está atenta a qualquer decisão que resulte no desmonte da Operação Lava Jato e no sinal verde para os crimes de colarinho branco

Ao contrário da campanha do impeachment, dessa vez, no entanto, entidades empresariais ficarão de fora. Mesmo assim, representantes do PIB nacional acompanham com apreensão a efervescência do momento. Em São Paulo, algumas incorporadoras, construtoras e uma rede de academias pretendem liberar os funcionários mais cedo no dia 3 para que ajudem a engrossar o coro das manifestações. “Esperamos que o Supremo tome a decisão correta”, diz Flavio Amary, presidente do sindicato da habitação paulista, o Secovi-SP.

“Deixamos nossos afazeres para cobrar que a Justiça valha para todos, sem distinção” Ray Alves, integrante do grupo Rua Brasil

O clima de indignação que recrudesceu no País com a liminar concedida a Lula às vésperas de sua condenação à prisão pelo TRF-4 não constitui exatamente uma novidade, face à polarização política manifesta desde a campanha à reeleição de Dilma, quando Lula elevou o “nós contra eles” às raias da irresponsabilidade. O que arrasta novamente multidões às avenidas das principais capitais do Brasil é a petulância de toga em ensaiar uma mudança de regra com o “jogo em andamento”, com evidente propósito de beneficiar um condenado em especial, e a postura desse mesmo condenado em afrontar cotidianamente a Justiça, como se acima da lei estivesse ou como se houvesse uma lei criada sob medida para ele. “Nós lutamos para que o Supremo garantisse o cumprimento de prisão após condenação em segunda instância. Agora, o que estamos vendo é a tentativa de reverter esse entendimento simplesmente para livrar Lula da prisão. Lula é um condenado da Justiça e precisa cumprir pena”, criticou Ray Alves, integrante do grupo Rua Brasil. Segundo ela, militantes do movimento continuarão acampados na porta do do STF para pressionar os ministros. “Deixamos nossos afazeres para cobrar que a Justiça valha para todos, sem distinção”, completou. É o recado eloqüente das ruas.