Joe Biden conseguiu muito mais do que esperava nas eleições de meio de mandato, no último dia 8. Além da manutenção do Senado por parte do Partido Democrata, que também chegou perto da maioria na Câmara, ainda desestabilizou Donald Trump – que, por sua vez, rachou o Partido Republicano. Assim, aos 80 anos, Biden se credencia para disputar a reeleição à Presidência dos EUA em 2024, dizendo-se “incrivelmente satisfeito”. E não à toa. Foi a melhor performance em 20 anos de um partido no poder, que tradicionalmente é punido nesse pleito – uma tradição que se mantém desde a Guerra Civil, no século XIX. Desta vez, mesmo com inflação alta, os eleitores deram um voto de confiança ao partido do presidente, rechaçando vários dos candidatos republicanos ungidos por Trump.

Uma série de fatores permitiu aos democratas barrar a “onde vermelha”, segundo Roberto Goulart de Menezes, professor de Relações Internacionais da UnB, apesar da aprovação de Biden em queda, a menos de 40% (38%, segundo o Gallup). “Um dos pontos mais importantes vem de um ano atrás. Foi a aprovação do plano de US$ 1,2 trilhão [R$ 6,4 trilhões] de Biden para a infraestrutura do país, que contou até com o voto favorável de Mitch McConnell, influente líder republicano no Senado. Ainda não há empregos suficientes, é verdade, mas o americano comum já tem um horizonte para acreditar em recuperação econômica”, avalia.

A defesa dos direitos às mulheres, contra a decisão da Suprema Corte (que revogou o direito ao aborto), pode ter sido um fator importante, mas não tão determinante quanto o trumpismo gerando muitas disputas internas no Partido Republicano, segundo o especialista. As brigas puniram até os protegidos impostos pelo ex-presidente, que acabaram derrotados nas urnas. “E ainda temos os desdobramentos da figura do Trump, que dividiu os EUA ao introjetar o ódio na política. O país tem muitos temas sensíveis, como o racismo e o conservadorismo religioso, mas o Trump introduziu a violência. E o Biden chamou atenção para isso, como na ocasião do ataque à casa da deputada Nancy Pelosi, quando o marido dela foi agredido a marteladas.”

Volta por cima: Biden faz maioria no Senado, e a aprovação ao seu governo cresce
JOGO DE CENA Xi Jinping e Joe Biden se encontraram pela primeira vez, em Bali; imagem amistosa não revela a disputa acirrada dos dois países pela hegemonia global (Crédito:Saul Loeb)

Se na Câmara os republicanos conseguiram a maioria, no Senado as 50 cadeiras dos democratas garantem a aprovação das pautas do presidente. Mesmo se a Geórgia ficasse com os republicanos (os resultados oficiais sairão apenas em dezembro), o voto de minerva no Senado é de Kamala Harris, a vice de Biden. Mas há temas que precisam de 58 votos, e Biden precisará negociar com republicanos conservadores mas não-trumpistas. Essas tratativas na verdade vêm desde a campanha presidencial, afirma o professor, quando o candidato democrata já falava da desigualdade de renda crescente nos EUA, a partir dos anos 1980, e do bem-estar social, como questões muito importantes.

Já presidente, Biden acertou na reforma tributária ao aumentar impostos de quem ganha mais de US$ 400 mil/ano para financiar parte do plano de US$ 1,2 trilhão. “Ele partiu para ações concretas. Não adianta criar mais postos, se os salários são muito baixos. Os americanos dizem que não precisam só de ‘McJobs’ — em referência a vagas no McDonald’s —, mas também de ‘MacJobs’, como os da área da informática, mais bem remunerados”, afirma Menezes. Para ele, Biden se voltou corretamente para a formação educacional e mais oportunidades para os pobres. Com mais creches, por exemplo, pai e mãe conseguem trabalhar e somar duas rendas. Também os republicanos têm essa percepção de benefícios sociais, como o Obamacare, um enorme avanço para os 50 milhões de americanos que nunca tinham ido a um médico. Biden reforça essa agenda de bem-estar social.

O democrata ainda se fortalece com a política externa. “Tivemos apenas frases divulgadas do encontro com o Xi Jinping no G20 de Bali, mas a conversa levou três horas. Para os americanos, a China é sua principal inimiga, uma ameaça à hegemonia global. É um consenso bipartidário, que se torna muito importante no fortalecimento do Biden.”

Trump reage

Tanto Donald Trump acusou o golpe que, na terça-feira, 15, organizou um evento em sua mansão para anunciar a pretensão de disputar a Presidência dos EUA em 2024. Goulart Menezes diz que os democratas estão se valendo de todas as formas jurídicas para tornar Trump inelegível, depois de ameaças à democracia e transgressões como o furto de documentos secretos levados para casa. “Não será fácil para ele vencer as primárias e se tornar o candidato do partido”, diz o professor. “Antitrumpistas vão se apresentar, como Ron DeSantis, reeleito governador da Flórida. Que pode ter ideias próximas do Trump, mas não o desgaste de ser o Trump”.