Mikael Tavares Medeiros, um jovem franzino de 19 anos e cabelos encaracolados, está recluso em sua humilde casa na Quadra 2 do Varjão, uma vila de baixa renda próxima ao luxuoso Lago Norte, em Brasília, desde o último dia 12, quando foi demitido do Ministério do Trabalho. Acuado, tem vergonha de sair às ruas e ser enxovalhado pelos vizinhos, que o conhecem muito bem no bairro. Afinal, chegou a trabalhar como vendedor de óculos numa ótica local. Os vizinhos ficaram espantados quando viram pela televisão que o rapaz, que até recentemente andava despreocupado pelas esburacadas ruas do vilarejo, passou de uma hora para a outra a ser responsável por gerir contratos no Ministério do Trabalho na valor de R$ 473 milhões. O espanto foi substituído pela desconfiança quando os vizinhos souberam que o garoto acabou demitido. “Ele tem muitos amigos aqui. Nunca imaginei que estivesse envolvido em nada suspeito”, disse uma vizinha, que pediu para não se identificar. O próprio pai do jovem, Cristiomário de Sousa Medeiros, delegado da Polícia Civil do Estado de Goiás na pequena cidade de Planaltina de Goiás, a 55 quilômetros de Brasília, contribui para aumentar a polêmica ao dizer que o jovem era um simples “laranja” de alguém poderoso no ministério.

“Só emprestava o nome”

Em entrevista à ISTOÉ, Cristiomário admite que seu filho não era o responsável direto pela liberação do dinheiro, quase meio bilhão de reais. “Ele apenas emprestava o nome e a matrícula a um outro servidor, que não podia aparecer. Eu vou mostrar na Justiça, com documentos, que meu filho apenas trabalhava para esse outro homem, de 50 anos. Era ele quem autorizava o repasse do dinheiro”, garante Cristiomário, que já foi candidato a prefeito de Planaltina de Goiás. O delegado, porém, não quis declinar o nome da pessoa que Mikael acobertava.

Cristiomario também não é santo nessa história. Sabia muito bem o que o filho fazia no Ministério do Trabalho. Mais do que isso, foi ele quem indicou Mikael para a função suspeita. O delegado é filiado ao PTB, partido de Roberto Jefferson e do deputado federal Jovair Arantes (PTB-GO), e apresentou uma lista de cinco nomes indicados pelo diretório de Planaltina à vaga. Um deles era seu próprio filho, que acabou escolhido em outubro pelo partido e nomeado para o cargo pelo então ministro Ronaldo Nogueira. O rapaz foi designado como gestor financeiro da Coordenação Geral de Recursos Logísticos. Sua indicação foi endossada pelo secretário-executivo da pasta, Helton Yomura, que hoje substitui Ronaldo como ministro do Trabalho.

A partir da nomeação, Mikael passou a receber R$ 5,1 mil de salário bruto. Tão logo assumiu a nova função, em 28 de dezembro de 2017, a área de Mikael começou a destravar os pagamentos a fornecedores que estavam acumulados na pasta. De cara, liberou um montante de R$ 22,49 milhões à Business to Technology (B2T), responsável por um sistema de controle de fraudes em pagamentos do seguro-desemprego. Auditoria do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União detectaram que a licitação foi direcionada para contratar a empresa. A CGU disse, ainda, que o valor dos serviços pagos por ordem de Mikael foi superfaturado. Numa guerra interna com a CGU, o Ministério do Trabalho contesta o superfaturamento e diz que a suspensão do contrato dificulta o combate às fraudes.

CHOQUE DE REALIDADE O jovem que respondia por milhões mora numa casinha da periferia de Brasília (Crédito:Sérgio Lima)

Bom de informática

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O pai do jovem insiste em dizer que não foi ele quem autorizou o pagamento milionário. E dá uma explicação pueril para a contratação do filho: “Ele só foi contratado porque o atual chefe dele não sabe manusear o computador. O Mikael é bom de informática”. A versão não convenceu ninguém e Mikael acabou perdendo o emprego por causa das suspeitas de que não era preparado tecnicamente para função.

Agora, diz-se traumatizado. Por isso, segundo sua mãe, Mikael tem recusado a conceder entrevistas e não quer saber de holofotes. “A repercussão foi ruim. Foi colocada a incapacidade dele de gerir um departamento dessa importância. Mas tudo foi liderado pelos superiores”, disse a mãe de Mikael, a dona-de-casa Luciana Tavares Dias, repetindo o discurso do marido. Ao menos esse enredo não deverá se repetir na vida de Mikael Tavares. Se ele tiver juízo, claro.

 


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