O uso de campos de concentração não foi uma exclusividade nazista: eles existiram também na região da Sibéria, na Rússia. Criados desde o século 17, eram usados para punir indivíduos por meio de trabalhos pesados em meio a um clima infernal. O nome “Gulag”, sigla em russo para “Administração Central dos Campos”, entrou para a história da humanidade por sua crueldade e número assombroso de mortes, na casa dos milhões de indivíduos. É por isso que a notícia de que o Serviço Federal de Prisões da Rússia (FSIN) enviará presos ao círculo polar do ártico causa espanto e temor e remete a um capítulo sombrio do passado do país. Dessa vez, os prisioneiros dos “centros correcionais” terão de limpar rejeitos da mineração no local.

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1935 TRABALHOS FORÇADOS Stalin oficializou os campos de concentração na Sibéria enviou milhões para a morte (Crédito:Divulgação)

Norilsk, para onde serão enviados, é famosa por ser uma das cidades mais frias e poluídas do mundo, com temperatura média anual de -10°C podendo chegar até -60°C durante o inverno. Com uma população de 130 mil habitantes, é um gigantesco polo de mineração, com solo rico em níquel e paládio. Esse é o motivo pelo qual a região é frequentemente assolada por chuvas ácidas e recorrentes vazamentos de resíduos tóxicos. Em maio do ano passado, um reservatório de combustível desabou em uma usina de energia operada por uma subsidiária da gigante dos metais “Norilsk Nickel”, jogando 20 mil toneladas de combustíveis e lubrificantes no ecossistema local.

O desastre ambiental, um dos mais graves já enfrentados pela Rússia, é o motivo alegado pelo chefe do FSIN, Alexander Kalashnikov, para o envio de prisioneiros para Norilsk. “Estamos estudando a possibilidade de envolver os condenados na limpeza da zona ártica”, disse Kalashnikov em comunicado emitido na sexta-feira, 12. Ele pediu ainda aos funcionários da administração penitenciária responsáveis pelas colônias penais no Ártico para iniciar a operação o mais rápido possível.

VLADIMIR PUTIN Líder russo segue os passos de Joseph Stalin: a volta dos trabalhos forçados nos Gulags cria temores na comunidade internacional (Crédito:KIRILL KUDRYAVTSEV)

A discussão sobre a limpeza do Ártico começou em dezembro, quando as autoridades prisionais da Rússia anunciaram durante um evento em São Petersburgo que condenados poderiam atuar na recuperação da área. Na época, Elena Korobkova, funcionária do FSIN, afirmou que os governantes de Norilsk já haviam disponibilizado instalações de um “centro correcional” com capacidade para até 56 pessoas. Para Victor Missiato, doutor em História e professor do Instituto Presbiteriano Mackenzie, os líderes russos nunca apresentaram preocupações sérias com o meio ambiente. Para o professor, a decisão é chocante por não promover junto uma política clara a respeito dos benefícios que os presidiários teriam com a ação, como redução de pena ou remuneração, por exemplo. “Anunciar uma missão para proteção do meio-ambiente como essa contradiz a própria história da Rússia, que esconde centenas de vazamentos e testes nucleares”, afirma. A falta de transparência por parte do governo Putin é um fator de instabilidade para a comunidade internacional. Apesar de a Rússia se apresentar como uma democracia, práticas como envenenamentos e assassinatos de inimigos políticos não são fatos raros no país.

A cidade prisional

Norilsk sempre esteve ligada ao sistema prisional russo. Fundada em 1935, quando Stalin comandava a União Soviética (URSS) com mão de ferro, centenas de milhares de internos foram enviados à região da Sibéria para minerar o solo, repleto de riquezeas cobiçadas pelo regime. “Os números oficiais dos Gulags de Stalin registram a morte de três milhões de pessoas. Hoje, no entanto, historiadores estimam que até 30 milhões podem ter perdido a vida nesses campos de concentração”, afirma Missiato. Se o objetivo de Putin é se tornar um líder popular à época como foi Stalin, ele está no caminho certo.