Os 33 anos contínuos de regime democrático não foram suficientes para que o Brasil pusesse fim a uma de suas mais nefastas práticas políticas: o coronelismo. Ainda é comum no interior do País uma espécie de “familiocracia”, na qual mandatos eleitorais são “transferidos” de pais para filhos como se fossem heranças. Esse ano, porém, a disputa eleitoral mostra que esse roteiro começa a ser mudado. Um dos mais tradicionais clãs caminha para virar pó. Trata-se dos Collor de Mello, que durante décadas dominaram a política alagoana e que chegou a levar Fernando Collor à Presidência da República. O ocaso dos Collor de Mello começou com o impeachment do seu rebento mais famoso, em 1992. Dez anos depois, o mesmo Fernando perdeu o governo do Estado, embora mantivesse aliados em diversas prefeituras. Em 2006 veio um pequeno suspiro. O ex-presidente se elegeu senador e em 2014 foi reeleito. Mas, a partir do Congresso, ele não conseguiu manter a força dos Collor sequer em Alagoas. Envolveu-se novamente em casos de corrupção e é um dos investigados pela Lava Jato. Agora, lança uma patética candidatura à Presidência da República e procura eleger um filho deputado federal, numa última tentativa de manter um herdeiro político com algum poder.

A nova candidatura de Fernando Collor é um arremedo eleitoral porque já nasce derrotada, apenas como um modesto projeto paroquial de poder que caduca até mesmo em seu berço. Para se ter ideia da fragilidade do projeto, basta constatar que o comitê central da campanha de Collor não será em Brasília e sequer em Maceió. A falta de recursos e o raquitismo político levaram o comitê para Arapiraca. Não é o único sintoma. Collor queria fazer renascer o PRN que o elegeu em 1989, mas não conseguiu. Foi dissuadido pelo presidente da legenda que o abrigou, o PTC, a manter a atual sigla, que significa Partido Trabalhista Cristão, tendo Daniel Tourinho no comando. Na nova aventura collorida, no entanto, nem mesmo Tourinho, amigo de longa data do presidenciável, se empolga. Durante as horas em que esteve com a reportagem de ISTOÉ no escritório do partido, em Brasília, o político demonstrou mais entusiasmo com as candidaturas à Câmara, espalhadas pelos 24 estados, do que com a vontade de eleger Fernando Collor. Ele deixa claro que enxerga a candidatura como uma alavanca para formar bancadas no Congresso, e ultrapassar a linha de corte da cláusula de barreira que, de acordo com a legislação eleitoral, após a eleição de 2018, definirá quais partidos terão ou não direito a recursos do Fundo Especial de Campanha e do Fundo Partidário. “Eu pedi a ele (Collor) há mais de um ano para se candidatar. Seu nome ainda é conhecido. Ele pode nos ajudar muito a vencer a cláusula de barreira”, afirmou. O PTC, como demonstra Tourinho, não tem quem puxe votos na campanha. O partido não conta com governadores. Atualmente, não possui também nenhum deputado federal. E precisa desesperadamente construir uma bancada mínima para continuar a existir.

No último levantamento Datafolha, Collor aparece na rabeira das intenções de voto com 1%, mas sua rejeição continua alta,
em torno de 44%

A falta de empolgação específica com as chances de vitória de Collor refletem-se nas pesquisas. No último levantamento do Instituto Datafolha, Collor aparece na rabeira das intenções de voto com 1%. Sua rejeição ainda é alta. Em janeiro, o mesmo instituto revelou que 44% dos eleitores dizem que não votariam nele “de jeito nenhum”. Para robustecer palanques em alguns Estados, porém, especialmente em Alagoas, e alavancar outras candidaturas, Tourinho acredita na serventia de Collor. Como ele ainda tem quatro anos como senador, não corre risco de ficar sem mandato.

Para amigos próximos do senador, a candidatura dele, embora não tenha a pretensão de vitória, é vista como um movimento capaz de conferir a ele a chance de se defender das denúncias que rondam sua carreira. Para lustrar sua imagem, Collor quer aparecer para o eleitorado como um conservador pai de família. Ele está no seu terceiro casamento, com a arquiteta alagoana Caroline Medeiros, com quem tem duas filhas gêmeas, Cecile e Celine. Antes, foi casado com Celi Elizabeth Monteiro de Carvalho, conhecida como Lilibeth, herdeira do grupo empresarial Monteiro Aranha. Com ela teve dois filhos, Arnon e Joaquim Pedro. E com Rosane Malta, a primeira dama na época em que foi presidente.

O herdeiro

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Além da campanha presidencial, um outro sintoma do ocaso do clã é uma outra candidatura, a deputado federal, como tentativa de eleger um novato Collor em Alagoas. O representante natural que poderia representar a nova geração seria Arnon de Mello Neto, filho de Fernando, que carrega o nome do avô, deputado federal, governador de Alagoas e senador. O problema é que Arnon já tentou seguir os trilhos da família, mas em 2002 perdeu a eleição para deputado, sentiu nas urnas que o sobrenome não tem mais a mesma musculatura de anos atrás e desistiu da política. Restou a Fernando Collor apostar em seu filho Fernando James, fruto de um relacionamento fora do casamento e que só foi reconhecido pelo pai quando já contava com mais de 18 anos. “Esse garoto nada tem a ver com a família. É uma candidatura estabanada”, disse à ISTOÉ um deputado estadual de Alagoas, aliado dos Collor. Fernandinho, como Fernando James é tratado pelos Collor, já se elegeu vereador em Rio Largo (AL), mesmo assim não era a primeira opção de Fernando Collor. No ano passado, Collor reuniu os três filhos para discutir o futuro político do clã. Pensava em lançar novamente Arnon, que declinou alegando que estava desencantado com o processo eleitoral desde a frustrante campanha de deputado federal em 2002. Depois da experiência, Arnon voltou-se para a tarefa de virar cartola do basquete. Ele é vice-presidente da NBA – a liga que controla o basquete americano – para a América Latina. “Ele está entusiasmado”, diz o jornalista alagoano Bernardino Souto Maior, que é amigo da família do senador. O outro filho homem de Collor, Joaquim Pedro, nunca se interessou por política. Ao contrário, diz ter aversão ao tema. “O James é quem mais gosta dessa história de política”, disse Arnon na reunião. “Acho que o candidato devia ser ele”, completou. Mesmo contrariado, Fernando Collor aquiesceu.

O sucessor de Collor é Fernando James, filho que o ex-presidente teve fora do casamento e que só reconheceu quando ele tinha 18 anos

Durante muito tempo, a relação entre os dois não foi boa. Depois que reconheceu o filho, porém, ambos se aproximaram. Curiosamente, Fernandinho é extremamente parecido com Fernando Collor. Não apenas fisicamente, mas também na postura e no temperamento. “Ele tem o timbre de voz e até o estilo de Fernando de fazer política”, considera o presidente do PTC. O eloquente Fernando James trabalha no jornal da família do senador, a Gazeta de Alagoas. Formado em jornalismo e administração de empresas, é o responsável pela versão on-line do jornal e até possui sala reservada com secretária. Nos últimos dias, ele pouco tem aparecido por lá. Sua rotina já está focada nas ruas, no corpo-a-corpo com o eleitor. Segundo Tourinho, a campanha de James será justamente em cima das questões sociais, como segurança, saúde e educação.

A outra representante da “família” no processo eleitoral é alguém com quem Fernando Collor não cultiva mais relação alguma. Thereza, que ainda usa o sobrenome Collor, é viúva de Pedro Collor, o irmão que detonou o processo que levou Collor ao impeachment. Casada com o empresário Gustavo Halbreich, que nada tem a ver com a família do ex-presidente, Thereza pretende ser candidata a deputada pelo PSDB de São Paulo. Para João Caldas, a candidatura é apenas combustível para mesa de botequim. “Ela sempre diz que vai ser candidata e, no final, desiste”, desdenha. Por ora, ela leva o projeto adiante.

Musa do impeachment

“O Fernando tem o direito de querer ser presidente, mas se antes teve problemas com um Fiat Elba, agora vai ter com uma Masserati” Thereza Collor, estilista (Crédito:Amanda Perobelli)

A “musa do impeachment”, como ficou conhecida a bela morena à época casada com Pedro Collor, pretende marcar a sua campanha no discurso de combate à corrupção, pontuando exatamente a lembrança dos tempos da briga fratricida entre os Collor de Mello. Em entrevista recente, ela ironizou a candidatura do ex-cunhado à Presidência: “O Fernando tem o direito de querer ser presidente, mas se naquela época ele teve problemas com um Fiat Elba, agora vai ter com uma Masserati, uma Ferrari e um Porsche. Achei que com o tempo e a maturidade, ele poderia ter aprendido um pouco mais”. Thereza refere-se a dois momentos. No processo de impeachment, uma das provas de sua participação foi o fato de um dos “fantasmas” (personagens fictícios com os quais o tesoureiro PC Farias abria contas bancárias) de PC ter comprado para Collor um Fiat Elba. Agora réu na Lava Jato, Collor viu seus carros de luxo, das marcas mencionadas por Thereza, serem apreendidos na Operação Politeia, da PF.

Se Fernando Collor em 1989 introduziu o marketing na política brasileira, desta vez não há ainda marqueteiro escolhido, e Daniel Tourinho imagina que desta vez nem haja um grande nome da área por trás da campanha. Como Collor se recusou a receber ISTOÉ para falar sobre seus planos, não foi possível saber detalhes de como ele estruturará a estratégia eleitoral deste ano. Outro profissional-chave que ele ainda não definiu é o tesoureiro. Para o PTC estão reservados R$ 6,3 milhões. Um problema a menos na nova tentativa de Collor regressar ao poder, uma empreitada hoje totalmente improvável. Os clãs perderam força e não seduzem mais como em outrora. Melhor assim.


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