O processo pré-eleitoral americano se desenrolava de forma previsível até os últimos dias. De um lado, Donald Trump caminhava confortavelmente para disputar a reeleição, embalado pela economia em alta e desemprego em baixa. De outro, os democratas se digladiavam com excesso de pré-candidatos e sem nome viável. No último dia 3, esse cenário mudou em uma das maiores reviravoltas da história das primárias americanas. Na superterça, 14 estados, responsáveis por 34% dos delegados que escolherão o candidato oficial em julho, proporcionaram um triunfo surpreendente ao ex-vice-presidente Joe Biden, de 77 anos. Ele venceu em ao menos nove estados, incluindo o estratégico Texas, e realinhou a disputa do partido contra Trump.

O resultado marcou uma recuperação impressionante do ex-vice-presidente, que estava desacreditado. Ele teve um desempenho sofrível nas primárias iniciais, e sua campanha tem sofrido com pouca organização e dificuldade em angariar recursos. Além disso, seu desempenho nos debates foi decepcionante. Não conseguiu eletrizar os militantes nem oferecer um discurso vitorioso. Esse quadro começou a se transformar no sábado anterior à superterça, quando Biden conseguiu na Carolina do Sul uma vantagem de 30 pontos percentuais sobre os outros candidatos. Com isso, uniu os eleitores negros, que ainda o identificam com a gestão Barack Obama, trouxe confiança à direção do partido e abriu caminho para precipitar o apoio dos demais moderados, que, em seguida, abandonaram a disputa: Pete Buttigieg, Amy Klobuchar e, por fim, Michael Bloomberg. Ocorreu uma onda de apoio a Biden.

DECEPÇÃO Apesar de ganhar em ao menos três estados,
o senador Bernie Sanders perdeu o favoritismo no partido (Crédito:Divulgação)

Perdedores

Essa mudança atingiu em cheio a campanha do senador Bernie Sanders, de 78 anos, que firmou-se na ala progressista do partido e parecia invencível. Na superterça, conseguiu vencer em ao menos três estados, e deve triunfar na estratégica Califórnia. Ainda pode rivalizar com Biden em número de delegados, mas perdeu o favoritismo. Outro derrotado foi o ex-prefeito de Nova York, o bilionário Michael Bloomberg, que teve um resultado pífio, apesar de ter investido US$ 560 milhões do próprio bolso para se cacifar nas prévias. Não ganhou em nenhum estado. Outra candidatura abatida na superterça é a da senadora Elizabeth Warren, que compartilha com Sanders programas progressistas. Ela ficou apenas em terceiro lugar em Massachusetts, seu próprio estado. Tem reafirmado que permanecerá na corrida, mas nenhum analista aposta nas suas chances.

Biden é um veterano que deseja valorizar o sistema bipartidário. Representa uma aposta na tradição política americana, o que é positivo num momento altamente polarizado. Mas carece de carisma. Sanders, que já cogitou criar um partido socialista e propõe uma renovação total em Washington, tem o apoio dos jovens. Seu discurso contra a política tradicional, e de fazer uma revolução em programas públicos de saúde e educação sem atentar para o custo político e econômico das propostas, pode enterrar sua segunda candidatura. São propostas pouco factíveis que assustam a maioria dos eleitores. Estes precisarão de motivos fortes para mudar em novembro o rumo de uma economia que ainda os favorece — apesar dos arroubos populistas e antidemocráticos do atual presidente.

Joe Biden representa uma aposta na tradição política americana, o que é positivo no atual momento polarizado. Mas carece de carisma