A China e os Estados Unidos já vivem uma espécie de Guerra Fria na região do Indo-Pacífico. Esta realidade tem como pano de fundo a corrida armamentista pelo desenvolvimento de mísseis hipersônicos, que driblam sistemas de defesa pela velocidade e altitude de voo, e com alianças militares que tanto Washington como Pequim costuram com os países da região. Neste cenário, o Leste Europeu e o Oriente Médio caíram para um plano secundário na disputa geopolítica, embora ainda relevante. Prova disto é que a Rússia desenvolveu seu foguete hipersônico, o Zircon, e também aumenta a sua influência militar na Síria. Mas até agora a Rússia não considera o Pacífico ainda uma área vital, ao contrário da China e dos EUA.

DISSUASÃO Os chineses exibem poder de fogo para amedrontar os adversários (Crédito:Divulgação)

Os chineses saíram na frente. Pequim testou um míssil hipersônico em agosto deste ano. Questionados pelo Ocidente, os chineses negaram o desenvolvimento do foguete e dizem se tratar de um veículo espacial reutilizável. O foguete hipersônico chinês seria um Longa Marcha adaptado, com uma ignição para desenvolver uma velocidade Mach 5 – ou cinco vezes a velocidade do som (acima de seis mil quilômetros por hora). Após dar uma volta na órbita terrestre, o projétil chinês caiu a 64 quilômetros do alvo programado. “Os chineses chamam o veículo de planador hipersônico. Ele é lançado por outro míssil, e aí, com propulsão própria, ele desce à Terra em velocidade hipersônica”, explica Roberto Gallo, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Material de Defesa e Segurança. Gallo diz que o desenvolvimento da arma surpreendeu os EUA e os outros países ocidentais porque evidenciou que a China está muito mais avançada do que se imaginava. Ao contrário do míssil balístico, o hipersônico pode ter a trajetória alterada em pleno voo, mais um fator que torna a tecnologia cobiçada.

“Os mísseis hipersônicos são mais difíceis de se detectar porque voam a uma altitude menor do que os balísticos. Por isto, eles entram na linha de visão do radar muito depois dos balísticos. A velocidade não é a principal razão que dificulta serem detectados”, explica Masao Dahlgren, pesquisador em Defesa no think tank americano Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), em Washington. Existem mísseis balísticos dos EUA, China e Rússia que podem alcançar velocidades de Mach 25, mas que são facilmente detectados por radares e satélites, podendo ser abatidos pela defesa antiaérea. Dahlgren alerta que, na busca pelo míssil hipersônico, não é possível afirmar se a Rússia ou a China estejam mais avançadas do que os americanos: “Os EUA amadureceram muito as tecnologias hipersônicas nos últimos anos, mas existia uma decisão de não transformá-las em armas de guerra. Apenas recentemente é que houve esta decisão.” Segundo ele, o Pentágono está investindo US$ 2,5 bilhões em armas hipersônicas em 2021.

Alguns especialistas ressaltam que, embora os EUA e a China estejam em uma forte competição econômica, tecnológica e até de afirmação territorial, existe uma diferença crucial entre o que acontece hoje e a Guerra Fria entre Washington e Moscou no período de 1945 a 1991. “A China e os EUA são rivais ideológicos, mas as economias dos dois países estão muito interligadas”, diz Carlo Patti, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal de Goiás. Patti reconhece que os dois países estão em uma corrida armamentista, mas observa que o objetivo é mais dissuadir um ataque ao adversário do que planejar uma agressão.

“Não sabemos qual será no futuro e o grau da agressividade chinesa. Existem conflitos potenciais entre a China e alguns países vizinhos, como o Vietnã e Taiwan, a qual Pequim considera província rebelde”, diz. “É um jogo de grandes potências que dialogam, um cenário bem diferente dos anos 1950 a 1980”, contextualiza. Embora diferente, o cenário gera preocupação. Mesmo localizado no Pacífico, um conflito entre as duas superpotências nucleares teria poder para destruir o planeta.