Sem o teatro dos punhos cerrados, o ex-ministro José Dirceu se entregou às 14h de sexta-feira 18 à PF de Brasília, cumprindo a decisão da juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal do Paraná. Está preso, assim, o homem que entrou para a política movido aparentemente por ideais nobres, mas que deixa a política pela porta de trás, flagrado em ideais pobres: a prática reiterada de crimes como dogma de ação. Dirceu nunca se emendou. Na primeira vez em que foi detido, em 1968, por participar de um congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes (UNE), deixou o presídio para ser trocado pelo embaixador dos EUA, Charles Elbrink, seqüestrado por seus companheiros da esquerda. Deportado, foi morar em Cuba, onde fez plástica e mudou de cara. Lá, fez curso de guerrilha com Fidel Castro. Voltou para o Brasil com nome falso, mentiu para a mulher com quem vivia e sempre esteve metido em falcatruas. Com o PT no poder, tornou-se o ministro mais poderoso de Lula e liderou o mensalão, que lhe valeu a primeira condenação por corrupção de 7 anos, dos quais cumpriu três. Mas logo se envolveu na coordenação dos desvios na Petrobras, sendo condenado na Lava Jato a 20 anos pelo juiz Sergio Moro, que teve a sentença reformada e ampliada pelo TRF-4 para quase 31 anos. No início, imaginava-se que Dirceu desviava dinheiro público para financiar o PT, mas depois se descobriu que ele usou o poder em benefício dos próprios bolsos. O fim se desenha melancólico: aos 72 anos, o ex-todo-poderoso do PT dificilmente deixará a prisão enquanto tiver vida.

Como explicar?

O seu último dia de liberdade, ele desfrutou revisando o capítulo final de um livro que está escrevendo sobre sua trajetória. Antes, porém, tomou café da manhã com amigos, entre eles o deputado distrital Chico Vigilante (PT). Ao parlamentar, disse que se entregaria no prazo estipulado pela juíza do Paraná, mas confessou que estava preocupado em como explicar à filha Antonia, de 7 anos, que talvez não voltasse mais para casa. Um de seus assessores disse a ISTOÉ, contudo, que Dirceu cumpriria a ordem judicial sem maiores contestações – bem diferente da pantomima encenada pelo principal líder petista, Lula, que antes de se entregar fez um grande circo na porta do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo.

Dirceu só estava livre graças a uma decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal que acolheu um pedido de habeas corpus em maio de 2017. Deixou as grades depois de ter cumprido um ano e nove meses. Vivia em Brasília com tornozeleira eletrônica, enquanto aguardava o desfecho de seus recursos ao TRF-4, de Porto Alegre. Advogado, Dirceu cobrava insistentemente de seus defensores que não perdessem um prazo sequer para recurso. Enquanto uma frente tentava protelar seu retorno ao cárcere com os embargos infringentes no TRF4, a outra já recorria ao Supremo pedindo liminar para que ele continuasse solto. Mas as duas modalidades de chicana foram recusadas em abril.

Então veio o último recurso. Ou a derradeira manobra para não voltar para o presídio em Curitiba. Os chamados embargos de declaração aos embargos infringentes. A defesa alegou que houve divergência por parte do desembargador Victor Luiz dos Santos Laus e não apenas ressalva no julgamento dos infringentes, e que caberia novo julgamento. Mas a 4a Seção do TRF 4 não só negou o recurso por unanimidade, como também determinou que “toda a pena, tanto a de detenção quanto a financeira, passe a ser executada a partir da condenação em segunda instância”. No mesmo dia, ou seja, na quinta-feira 17, a juíza federal Gabriela Hardt foi ligeira e decretou a prisão do ex-ministro.

O processo contra Dirceu foi originado na investigação de esquema de irregularidades na diretoria de Serviços da Petrobras. O MPF identificou 129 atos de corrupção ativa e 31 atos de corrupção passiva, entre os anos de 2004 e 2011. O esquema funcionava assim: Dirceu recebia uma “mesada” por intermédio de Milton Pascowitch – lobista e um dos delatores da Lava Jato. Outra forma de recebimento de propina do ex-ministro era através de contratos simulados pela Engevix com a JD Consultoria, que lhe pertencia. Os repasses chegaram a mais de R$ 12 milhões.

Na primeira que vez em que foi preso por corrupção, no processo do Mensalão, Dirceu fez um gesto com o punho cerrado e erguido para cima como quem tivesse orgulho do que havia feito para estar naquela situação, como se ainda encarnasse o líder estudantil de 1968. Chega ao fim agora, portanto, uma trajetória desde o início marcada por episódios nebulosos. Aliás, o plágio, a mentira e a clandestinidade são características da vida desse senhor de 72 anos. Hoje, o Brasil passa a conhecer melhor a verdadeira identidade de Dirceu: um corrupto reincidente que sempre que esteve em liberdade se envolveu na articulação de malfeitos.