“O Brasil fala em liberdade. Se isso nos faz ser um pária, então que sejamos um pária” Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores (Crédito:Philippe Wojazer)

O esperada derrota de Donald Trump não é apenas um a sinalização para o mundo. É um duro recado para Jair Bolsonaro. O Brasil é um dos países que sofrerão o maior impacto com a nova política americana. O brasileiro alimentou o problema que agora pode engolfá-lo desde sua campanha eleitoral, quando enxergou no americano uma inspiração. Tentou legitimar sua gestão colando no fenômeno Trump. Copiou o americano de forma primária e enviesada, por estratégia eleitoral e ideológica, e contra os interesses do País. O embuste terá consequências duradouras. Bolsonaro criticou os organismos multilaterais como a Organização Mundial de Saúde e a Organização Mundial de Comércio, atacou a China, nosso maior parceiro comercial, e afastou-se dos líderes europeus. Até o slogan “menos Brasília, e mais Brasil” foi uma imitação do americano, com a óbvia incongruência de que o brasileiro fez toda a sua carreira defendendo os interesses corporativistas e os privilégios de servidores públicos, no sentido oposto ao que o republicano propunha em seu país. A defesa intransigente da “liberdade” trombeteada pelo brasileiro chega a ser risível, dado que defende torturadores e elogia a ditadura que até os militares desejam deixar para trás. Sua defesa armamentista num país com altos índices de violência, emulando a segunda emenda à Constituição dos EUA, além de deslocada, tem efeitos nocivos para a população. Como fez Trump, Bolsonaro ensaiou sair do Acordo de Paris. Mas sem a esperteza de Trump, que age assim para patrocinar a indústria petrolífera no seu país. Aqui, Bolsonaro incentiva grileiros e garimpeiros ilegais e desmonta na prática o arcabouço de proteção ambiental contra o próprio interesse do agronegócio, que é prejudicado nas exportações pela péssima fama que o Brasil adquiriu junto aos consumidores internacionais. Desde que o governo passou a acobertar os crimes contra o meio ambiente, jogou o Brasil na contramão do esforço global na área e afugentou os grandes investidores. O meio ambiente é justamente a área em que o Brasil será mais prejudicado com um governo democrata nos EUA.

As eleições americanas representaram uma ótima oportunidade para o governo reavaliar sua política externa. Mas, ao invés de fazer um balanço pragmático, Bolsonaro dobrou a aposta ideológica. Diante da chance real de Trump perder seu acento na Casa Branca, tornou a exercer sua antidiplomacia. Voltou a apoiar o colega americano. “Estou confiante com a reeleição de Donald Trump, porque será boa para as relações comerciais e diplomáticas com o Brasil”, afirmou, negligenciando o risco de colocar o Brasil na desconfortável situação de ofender o novo presidente dos EUA. Não foi um acidente. Repetiu o que já tinha feito nas últimas eleições da Argentina, quando afrontou abertamente o candidato peronista, o que congelou a relação com o maior parceiro brasileiro da América Latina. A impostura continuou no próprio dia da eleição. Afirmou que o Brasil enfrenta uma batalha “contra o domínio estrangeiro da Amazônia”. A desfaçatez é um mal familiar. Eduardo Bolsonaro, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, compartilhou mensagem que acusou, sem provas, a existência de fraude nos votos enviados pelo correio no pleito americano.

A torcida por Trump deixou Bolsonaro falando sozinho, na duvidosa companhia do primeiro-ministro da Eslovênia (terra de Melania Trump), que felicitou o americano “por sua vitória”. Nenhum chefe de Estado embarcou na tentativa do presidente americano de se antecipar ao resultado em seu país. Agiu por mero interesse pessoal. É uma relação de afinidades privadas, que não trouxe frutos concretos para o País. Os EUA adotaram medidas unilaterais protecionistas com produtos como alumínio, aço e etanol sem nenhuma contrapartida.

Meio ambiente

Para Bolsonaro, perder o grande aliado internacional significa ter esvaziadas suas principais bandeiras. Isso amplia ainda mais o isolamento internacional, que só cresceu com os problemas criados pelo mandatário com França, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, mundo árabe e China. O presidente já tinha se afastado dos grandes líderes europeus — Angela Merkel e Emmanuel Macron — ao insultá-los por causa da questão ambiental. Perder o apoio da maior potência mundial deveria acender o sinal de alerta para qualquer diplomacia profissional que sabe que os países têm interesses, não amizades. Mas esse não é o caso da ala ideológica bolsonarista. Em recente evento público, o chanceler Ernesto Araújo voltou às suas obsessões anacrônicas contra o “marxismo” e o “globalismo” e disse: “O Brasil fala em liberdade através do mundo, se isso nos faz ser um pária internacional, então que sejamos um pária”. É uma citação constrangedora. A diplomacia foi criada para incentivar a aprovação, a admiração e o prestígio de uma nação. Que o chefe do Itamaraty se orgulhe de seu status de pária é o maior símbolo da antidiplomacia bolsonarista.
As consequências da antipolítica externa do governo brasileiro podem ser danosas. Bolsonaro criticou Joe Biden pela sua defesa da Amazônia. No primeiro debate da corrida americana, o democrata citou especificamente o Brasil e propôs um fundo de US$ 20 bilhões para proteger a floresta. Ameaçou aplicar retaliações comerciais se o Brasil não mudar sua política ambiental. “O presidente Bolsonaro deve saber que se o Brasil deixar de ser um guardião responsável da Floresta Amazônica, minha administração reunirá o mundo para garantir que o meio ambiente seja protegido”, disse em outra ocasião. O mandatário brasileiro não ouviu. Arriscou-se a perder sua única referência internacional e, com isso, precisará rever a política devastadora no meio ambiente e irresponsável na saúde.