Será que a Mona Lisa não era uma mulher, mas um amante de Leonardo da Vinci? A vida queer está longe de ser um fenômeno moderno – e um novo livro relata os principais momentos e personagens dessa história.Era o ano de 1476 quando o jovem Leonardo da Vinci (1452-1519) entrou na mira da polícia moral de Florença, acusado anonimamente de ter mantido relações sexuais com uma prostituta de 17 anos. Por falta de provas, o caso não foi para frente.
Que Leonardo amava homens, no entanto, pesquisas atuais já comprovaram, afirma o historiador alemão Dino Heicker, autor do livro recém-lançado Weltgeschichte der Queerness (História Mundial do Ser Queer, em tradução livre). Ele tinha um afeto em especial por seu aprendiz Gian Giacomo Caprotti, 28 anos mais novo, conhecido como Salaj ("diabinho" em português), com quem viveu sob o mesmo teto por muitos anos.
Historiadores de arte italianos também afirmaram ter encontrado provas de que a famosa Mona Lisa não retrata Lisa del Giocondo, esposa de um comerciante florentino, mas o próprio Caprotti. Ele posou para Da Vinci em várias ocasiões e a semelhança é inconfundível, segundo os pesquisadores. Além disso, as letras L e S (de Leonardo e Salaj) podem ser vistas nos olhos da Mona Lisa, e o termo carinhoso mon salaj (meu Salaj) pode ser lido como um anagrama de Mona Lisa.
O Museu do Louvre, onde a pintura mundialmente famosa está exposta, não dá muito crédito à teoria. Será verdade? Da Vinci e seu companheiro levaram esse segredo para o túmulo.
No entanto, como escreveu em 1550 Giorgio Vasari, o primeiro biógrafo de Leonardo, é fato que o pintor sentia um "prazer peculiar" pelo belo rapaz. Peculiar – um eufemismo para dizer que da Vinci era homossexual.
Cidade bíblica de Sodoma como antro da imoralidade
"Quando a maioria define o que é normal e anormal e declara que um modelo binário de gênero é a norma, a minoria que pensa diferente tem dificuldades", diz Dino Heicker.
Em seu livro, ele relata as punições às vezes draconianas aplicadas a pessoas homossexuais, não binárias ou transgêneros que se entregavam a práticas "antinaturais". Elas eram acorrentadas, apedrejadas, castradas ou acabavam na fogueira. E muitos legitimavam isso na Bíblia, segundo a qual Deus destruiu as cidades de Sodoma e Gomorra por causa de seus pecados – o termo sodomia foi usado por muito tempo como sinônimo de homossexualidade.
Essa história "serviu de modelo para séculos de estigmatização de pessoas que eram diferentes", segundo Heicker. Em 1512, o conquistador espanhol Vasco Núñez de Balboa mandou seus cães dilacerarem indígenas na América porque eles haviam cometido "o terrível pecado da sodomia".
Variações do amor na Antiguidade
Por outro lado, também houve sociedades nas quais as diversas formas de ser queer eram em geral aceitas.
Na Antiguidade, era comum que os homens tivessem ao seu lado um garoto (além de sua esposa) com quem mantinham relações eróticas. O imperador romano Adriano ficou tão inconsolável com a morte de seu amado Antinoos que o declarou postumamente um deus, e mandou construir inúmeras estátuas e locais de culto em homenagem ao belo jovem.
Na ilha de Creta, os legisladores criaram algo muito especial para o controle da natalidade, segundo o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.): o "amor por meninos". Homens mais velhos levavam um jovem para sua casa para educá-lo. "Favores sexuais eram então esperados do jovem, mas isso não era visto negativamente pela sociedade", explica Dino Heicker.
O amor entre mulheres também era conhecido naquela época. Na ilha de Lesbos, a poetisa Safo expressava adoração pela beleza do sexo feminino em seus versos.
Modelos para as várias formas de amor eram encontrados no mundo dos deuses. O primeiro e mais importante era Zeus, o pai dos deuses, epítome por excelência do ser queer – mesmo que esse termo ainda não existisse naquela época. Ele se transformava em mulheres, animais e até mesmo em uma nuvem para se divertir com o objeto de seu desejo.
Na Antiguidade, não havia nada de errado em um homem dormir com outros homens ou meninos, "desde que ele desempenhasse o papel ativo", explica Dino Heicker. "O penetrado, ou seja, o submisso, era considerado efeminado e socialmente oprimido." No Império Romano, oponentes políticos eram frequentemente acusados de serem sexualmente passivos, porque "essa era uma forma concreta de prejudicar sua honra".
Igreja considerava "um crime contra a natureza"
Com a disseminação do Cristianismo, acabou a tolerância com o amor entre pessoas do mesmo sexo. O bispo e monge beneditino Petrus Damiani (1006-1072), um dos clérigos mais influentes do século 11, criticava veementemente a fornicação – mesmo nos mosteiros, o "vício antinatural se espalhava como um câncer entre o clero e rugia como uma fera sanguinária no rebanho de Cristo". Ele estava convencido de que a sodomia era fruto de sussurros diabólicos.
Entre os guerreiros samurais no Japão e na corte imperial chinesa, as atitudes em relação à homossexualidade eram mais relaxadas, e o amor entre homens era comum. Em 1549, o padre jesuíta Francisco de Xavier observou: "Os padres budistas cometem constantemente crimes contra a natureza e nem negam, mas o admitem abertamente."
Quem é quem entre as pessoas queer
Nos séculos posteriores e nos tempos modernos, houve muitas personalidades homossexuais famosas.
O livro de Heicker se assemelha a uma lista de "quem é quem" entre as pessoas quer. Seja o compositor russo Peter Ilyich Tchaikovsky (1840-1893), o escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900), o dramaturgo negro americano James Baldwin (1924-1987) ou Eleanor Butler e Sarah Ponsonby, que se retiraram para um vale solitário no País de Gales por volta de 1780 e eram vistas com desconfiança como as Damas de Llangollen: todos tentaram encontrar a felicidade à sua maneira.
Os diários de Anne Lister, conhecida como "Gentleman Jack"
A proprietária de terras inglesa Anne Lister (1791-1840) deixou um diário que foi adicionado ao Registro da Memória do Mundo da Unesco em 2011. "São 26 volumes nos quais ela faz descrições detalhadas sobre sexo lésbico e seus relacionamentos com mulheres", diz Heicker.
Lister desenvolveu seu próprio código secreto para que nenhuma pessoa não autorizada pudesse ler suas confissões, que só foi decifrado em 1930. Em sua vila, ela era frequentemente chamada de "Gentleman Jack", mas era deixada em paz. Os escritos de Lister tiveram influência significativa nos estudos de gênero e na história das mulheres britânicas.
O terceiro gênero
Sejam os mahus no Taiti, os muxes do povo zapoteca no México, os hijras na Índia ou os lhamanas entre o povo originário norte-americano zuñi: por milhares de anos, todos eles sentiram que pertenciam a um terceiro gênero, nem masculino nem feminino.
"Havia uma diversidade muito maior do que o modelo restrito de dois gêneros sugere ser possível hoje", diz Heicker. "Os zuñi, por exemplo, não assumem que o gênero é inato, mas sim uma construção social."
Na Alemanha, o terceiro gênero é hoje classificado como "diverso". "Acho que as pessoas queer lutaram por uma liberdade incrível, especialmente na República Federal [da Alemanha]. As gerações anteriores só podiam sonhar com isso", diz Heicker.
"Em 1994, o parágrafo 175 (que criminalizava atos sexuais entre pessoas do sexo masculino) foi finalmente removido do Código Penal (alemão), o casamento agora está disponível para todos e a discriminação sexual pode ser denunciada. Por outro lado, e aqui vem o grande porém: o que foi conquistado também deve ser protegido, porque definitivamente há tentativas de voltar para o passado."
Na verdade, os crimes de ódio contra pessoas queer estão aumentando. "Está ficando cada vez mais comum ser abusado verbalmente ou até mesmo cuspido", disse recentemente Uwe Weiler, diretor-gerente da Cologne Pride, ao jornal Kölner Stadtanzeiger. "O limite da inibição ficou mais baixo."
Na Alemanha, tais ataques são punidos, mas em outros lugares a situação é diferente. "Basta olhar para a Rússia, onde dar as mãos é proibido por ser considerado propaganda. E agora, mais recentemente, nos Estados Unidos, sob o presidente Donald Trump (que após assumir o cargo disse que existem apenas dois gêneros: masculino e feminino)", diz Heicker. "Portanto, em todo o mundo, este é, claro, mais um passo atrás. Nunca se deve dar como certo que as conquistas pelas quais se lutou permanecerão para sempre."