[posts-relacionados]Desde 1998, com “Central do Brasil”, que um longa-metragem nacional não entra na disputa de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar. Agora, com “A vida invisível”, o cinema brasileiro se mobiliza para obter uma indicação, mesmo que o processo se afigure longo e complicado. O júri da Academia é composto por profissionais com gostos difusos, fato que torna difícil prever os quesitos não valorizados. Na bagagem está a vitória na mostra Un Certain Regard, uma competição paralela à oficial do Festival de Cannes, a primeira honraria deste tipo concedida a um filme brasileiro. “Melodrama tropical”, como se define, acompanha a vida das irmãs Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler), jovens do Rio de Janeiro dos anos 1950 que, por uma atitude impulsiva de uma delas, se separam e passam a vida tentando se reencontrar. O roteiro é uma livre adaptação do livro “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, de Martha Batalha, lançado em 2016.

Força feminina

A feminilidade é explorada sem qualquer idealização por parte do diretor Karim Aïnouz, que conduz de forma sensível questões como a maternidade, o conflito com o patriarcado e a coragem. Para as cenas de sexo, muito cruas, o diretor esvaziava os sets de filmagem para conforto das atrizes. “Quisemos mostrar que as mulheres conquistaram tantas coisas desde 1950 e como os homens mudaram pouco”, explica Karim, enfatizando a importância do período ambientado.

“É um filme vaginal, uterino”, descreve Fernanda Montenegro, a quem o diretor reservou algumas das sequências mais emocionantes e exemplares, o que soou como uma homenagem.

O elenco e a produção têm se dedicado a uma série de aparições públicas e concedido entrevistas, além do adiamento da estreia para 21 de novembro. O motivo é a intensificação da campanha para a indicação ao Oscar, o que é difícil. Vencer, então, seria um sonho.

Seja como for, “A vida invisível” não deixará de ser uma produção memorável, pois coroa um dos anos mais premiados da história do cinema brasileiro.

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REENCONTRO Fernanda Montenegro encarna Eurídice no Brasil contemporâneo. Uma vida de batalhas (Crédito:Divulgação)

Entrevista
O diretor de “A vida invisível” falou à ISTOÉ horas antes de exibir o filme em Los Angeles, para a Hollywood Foreign Press, que escolhe os indicados ao Globo de Ouro. Confira:

Por que você escolheu um melodrama nesta fase da carreira?
É algo que sempre quis fazer. Cresci vendo novelas de Janete Clair e filmes da sessão da tarde. Achava um gênero meio cafona, mas fui ficando mais velho e entendi que tinham contundência política. É importante fazer um filme que fale com um público maior. Penso que as pessoas saem de casa para ir ao cinema porque querem sentir algo diferente. O melodrama faz isso. Você não sai do jeito que entrou.

Como o filme repercute no Brasil de hoje?
Eu queria fazer um retrato de mulheres da geração da minha mãe. Ela teria 90 anos se estivesse aqui hoje. Sempre achei que essas mulheres passaram por momentos muito complicados com o machismo e uma sociedade, então ainda mais conservadora, e que foram pouco representadas.

O filme é especifico sobre Guida e Eurídice. Não é sobre mulheres em geral, mas acabou sendo. Acho que fala também de quão tóxico o machismo pode ser para todos

O diretor Karim Aïnouz (Crédito:PEDRO MACHADO)
Foto: PEDRO MACHADO

A escolha da Fernanda Montenegro tem a ver com isso?
Era necessário “reencontrar” a Eurídice hoje. Acho lindo na personagem algo que a Fernanda também tem. Apesar de tantos percalços, ela conserva uma grande dignidade.
Era importante ver uma mulher que passou por tudo isso, mas que não está frágil.

Quais as chances de uma indicação do filme ao Oscar?
Claro que seria maravilhoso ser indicado, mas já estou feliz com o que está acontecendo. É importante ter jornalistas estrangeiros aqui vendo o filme. É como campanha eleitoral. Pode ser que não seja eleito, mas com certeza já se torna um jogador conhecido nesse jogo. Vejo dessa maneira. Com serenidade, mas com sangue nos olhos.

As comparações com “Bacurau” podem afetar a campanha?
Aqui fora não têm tido comparações. Inventaram que seria um filme contra o outro. Imagina! Acho bom existirem filmes ótimos como “Bacuaru” e “Pacificado”. Há tanta polarização na política e no cotidiano do Brasil que é bom não ter no cinema.

Você considera que está no seu auge como diretor?
Eu não. Senão estaria me considerando velho. Quero fazer um filme por ano agora. Estou no auge da vontade.


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