Apesar de estar situado a poucos quilômetros do centro de Nova York, quem caminha por Washington Heights tem a impressão de que está na América Latina. O espanhol é a língua oficial desse bairro de origem hispânica, que abriga venezuelanos, chilenos, cubanos, brasileiros e representantes de todos os “Estados Unidos da América Latina”, como brincam seus moradores. Foi ali que nasceu Lin-Manuel Miranda, americano de origem porto-riquenha que aprendeu logo cedo a rimar e fazer rap com os vizinhos do Harlem. Em 1999, já na faculdade, formou um grupo de hip-hop e compôs os primeiros esboços do que viria a ser “In the Heights”, musical que explodiu na Broadway em 2008 e lhe rendeu o prêmio Tony, o Oscar do teatro.

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O sucesso permitiu a Miranda alçar voos mais altos e, em 2015, ele criou e foi o protagonista de “Hamilton”, o musical de maior sucesso na história da Broadway. De forma original e provocativa, suas letras contavam a história da independência dos EUA em formato de rap e com um elenco interracial. Depois de colaborar como compositor nas produções “Moana” e “Star Wars: O Despertar da Força”, Miranda voltou às suas origens: “In the Heights”, traduzido aqui como “Em um Bairro de Nova York”, chega aos cinemas com direção de John M. Chu, responsável por “Podres de Ricos” – outro filme, por sinal, sobre uma comunidade de imigrantes, nesse caso, os orientais.

A trama de “Em um Bairro de Nova York” é simples: Usnavi (Anthony Ramos), imigrante da República Dominicana, trabalha duro em um mercadinho e junta dinheiro para voltar ao país onde nasceu. Quando está tudo certo para sua viagem, a bela Vanessa (Melissa Barrera) lhe tasca um beijo na boca. E agora? Ele cumpre seu objetivo inicial ou obedece ao seu coração? A premissa simples e as lindas coreografias – o número de dança na piscina pública já é antológica – escondem uma temática política mais profunda. Mais que uma história de amor, é um filme sobre identidade. Onde é a nossa casa? Onde vivemos e trabalhamos ou o lugar onde estão nossas origens familiares? Essa é uma questão essencial não só para latinos, mas para imigrantes de todas as origens.

Em meio a danças pelas ruas e refeições apetitosas feitas por uma típica matriarca latina, o filme apresenta uma defesa do DACA, programa criado por Barack Obama, que regularizava temporariamente os “dreamers” (sonhadores), imigrantes ilegais que chegaram aos EUA quando eram menores de idade. O projeto foi cancelado pelo ex-presidente Donald Trump, mas o filme, dependendo de seu sucesso, pode suscitar uma pressão para que o presidente Joe Biden reavalie a medida.

“Em um Bairro de Nova York” traz ótimas atuações e o roteiro de Quiara Alegría Hudes tem boas tiradas, mas o que deve fazer desse filme o grande sucesso do verão nos EUA é mesmo a trilha sonora. Lin-Manuel Miranda tem o talento dos grandes compositores tradicionais, mas a maneira como ele incorpora as letras e o jeito de rimar dos rappers às cenas coreografadas traz um ar de modernidade ao formato. Com um estilo próprio e cheio de personalidade, Miranda foge tanto do kitsch de Andrew Lloyd Webber quanto da erudição de George Gershwin. Com isso, revitaliza a imagem dos musicais e permite que o gênero seja mais atraente para as novas gerações.

Amor, sublime amor

REMAKE “West Side Story”: Steven Spielberg recriará o clássico de Robert Wise (Crédito:Divulgação)

Outro grande nome do cinema de olho no mercado latino é o diretor Steven Spielberg, que prepara para dezembro o lançamento do remake do lendário musical “West Side Story” – “Amor Sublime Amor”, na versão brasileira. Dirigido por Robert Wise, o filme original chegou aos cinemas em 1961, quatro anos após a estreia da peça na Broadway e é até hoje o musical mais premiado da história do cinema: ganhou dez Oscars, inclusive o de melhor filme. Com letras de Stephen Sondheim e música criada pelo maestro Leonard Bernstein – personagem que também ganhará uma cinebiografia esse ano, dirigida por Bradley Cooper –, seu enredo é inspirado em Romeu e Julieta. Em vez centrada nas famílias Montéquio e Capuleto, no entanto, a história volta-se para Nova York e opõe duas gangues de rua, os Jets (americanos), e os Sharks (formada por imigrantes porto-riquenhos). Nessa nova versão, as criações de Bernstein, que era casado com a atriz chilena Felicia Montealegre, também ganharão sotaque latino: a trilha sonora da Orquestra Filarmônica de Los Angeles será regida pelo maestro venezuelano Gustavo Dudamel.