LUXO Mostra particular: quadro está no superiate, diz jornal (Crédito:Divulgação)

Desde que foi leiloada, em 2017, a obra “Salvator Mundi”, atribuída ao mestre italiano da Renascença, Leonardo da Vinci, ganhou as manchetes de todo o planeta. A figura de Jesus Cristo, “salvador do mundo”, considerada a versão masculina da famosa Monalisa, foi arrematada em leilão por um comprador que não quis se identificar. O valor bateu o recorde de obra de arte mais cara até hoje: U$ 450 milhões, cerca de R$ 2,5 bilhões. O autor do lance teria sido o príncipe da Árábia Saudita, Mohammed Bin Salman, fato nunca confirmado por ele ou pela monarquia do país. Foi a partir daí que as coisas começaram a ficar nebulosas – e não apenas por culpa do príncipe.

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O quadro foi enviado ao museu do Louvre, na França, para realização de testes que confirmassem sua autenticidade. A ideia era incluir “Salvator Mundi” na mostra em homenagem aos 500 anos da morte de Da Vinci, em 2019. Novos documentos revelados pelo jornal “The New York Times” garantem que o quadro realmente pertence ao Ministério da Cultura Saudita, mas apontam que houve um desentendimento em relação ao empréstimo do quadro para o museu. Os sauditas queriam que ele fosse exposto ao lado da Monalisa, também de Da Vinci, ou não autorizariam sua presença na retrospectiva. O Louvre teria alegado que isso era impossível, porque a Monalisa fica em uma área à parte no museu, atrás de um vidro à prova de balas. Seria impraticável removê-la do local para colocar as duas obras lado a lado. Sem acordo, “Salvator Mundi” ficou de fora. O fato, por sua vez, levantou suspeita sobre sua autenticidade – ela já constava até no catálogo das obras que seriam expostas. Veio então a represália do Louvre: o museu informou ao Ministério da Cultura Saudita que, diante das circunstâncias, não poderia atestar a originalidade da obra.

PRÍNCIPE Bin Salman: colecionador agressivo (Crédito:Divulgação)

Há dúvidas sobre a localização do quadro, uma vez que ela nunca foi confirmada. A aposta é que “Salvator Mundi” está no superiate do príncipe Bin Salman. O quadro está lá porque o saudita tem receio de ter comprado um quadro falso por um valor tão alto? Ou porque, mesmo sendo muçulmano, ele quer manter a pintura de Jesus Cristo apenas para si por puro capricho? Ainda não se sabe.

Autenticidade

“Salvator Mundi” tem uma história curiosa. Acredita-se que o quadro foi pintado em 1500, como mencionado no inventário do rei da Inglaterra, Charles I, após sua execução, em 1649. O histórico de propriedade saiu de controle no final do século 18. Foi somente em meados dos anos 2000 que uma dupla de colecionadores de arte, garimpando os antiquários de Nova Orleans, nos EUA, se deu conta de que uma obra, bem deteriorada e com sinais de má restauração, poderia esconder algo. Compraram o quadro por US$ 10 mil, cerca de R$ 55 mil, e a levaram para um especialista remover as camadas recentes de pintura.

Quando surgiu a hipótese de que o quadro seria de Leonardo Da Vinci, ele passou de mão em mão até ser brevemente exposto em Londres, em 2011. O valor que ele alcançou no leilão de 2017 tem razões pessoais: aponta-se que ele estava sendo disputado por dois reinos poderosos e endinheirados, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, onde fica o museu “Louvre Abu Dhabi”.

O quadro volta agora a ser alvo de escrutínio por dois motivos: os documentos obtidos pelo jornal americano e um documentário francês sobre a pintura, onde o diretor Antoine Vitkine diz que o quadro teria sido pintado no estúdio de Da Vinci, mas não por ele – e sim por seus assistentes. O diretor entrevistou funcionários do alto escalão do governo francês sobre o tema. Já o “New York Times” obteve a brochura original da exposição realizada em Paris em 2019, divulgada antes do problema que o impediu de ser exposto.

No livro, o diretor do “Louvre”, Jean-Luc Martinez descreve com riqueza de detalhes o processo pelo qual a pintura passou até ser considerada uma obra original. “Os resultados do estudo histórico e científico apresentado nessa publicação permitem-nos confirmar a atribuição da obra a Leonardo da Vinci”, escreveu Martinez. Lá se afirma, em 46 páginas, que foram usados raios-X fluorescentes e microscópios de alta potência para comparar detalhes do “Salvator Mundi” com outras obras-primas de Da Vinci que estão no acervo do Louvre.

Quando veio a polêmica, esse trecho foi removido e uma nova edição do catálogo foi impressa. O Louvre diz que não opina em autenticação de obras não expostas no museu. O Ministério da Cultura da Árabia Saudita também não comenta – sequer admite possuir o valioso item. O que restou de toda essa confusão foi a incerteza em torno da obra. Há quem acredite que a reputação de “Salvator Mundi” ficou manchada para sempre.

O príncipe saudita estaria disposto a mostrar a obra novamente? Permitirá que ela seja observada ou manterá esse tesouro da humanidade em segredo? Há perguntas que muitos apreciadores de arte gostariam de ver respondidas.

Divulgação

A falsa estátua
Busto de Flora, deusa romana, foi falsamente atribuído a Leonardo da Vinci

Produzida em cera, a escultura foi atribuída ao gênio italiano durante muito tempo. Na verdade, porém, ela foi confeccionada cerca de 300 anos após a morte de Da Vinci. A última análise da peça foi publicada na revista Nature na semana passada e mostrou, através da datação por radiocarbono, que “Flora”, apesar de belíssima, é criação de outro artista. A estátua havia sido adquirida em uma pequena galeria em Londres em 1909 por Wilhelm Von Bode, que orgulhosamente declarou ser um “Da Vinci perdido”. A escultura, porém, é de autoria do britânico Richard Cockle Lucas, que a teria esculpido com base em uma pintura da época – inspiração que gerou a confusão.