Depois de tantos blockbusters sobre o fim dos tempos, quem pode estar vivendo o apocalipse na vida real é uma parte essencial da indústria cinematográfica: as salas de cinema. A popularização das plataformas de streaming, o preço dos ingressos e a pandemia podem levar a mudanças de hábito definitivas por parte do público. Antes mesmo da pandemia, as poderosas plataformas de streaming já questionavam a maneira como os filmes eram lançados e premiados. Tanto o Oscar quanto o Festival de Cannes, por exemplo, exigiam a exibição presencial das obras para habilitá-las a participar das premiações. Diante disso, a Netflix não pensou duas vezes: comprou em 2019 sua própria sala de projeção, o lendário “The Paris Theater”, inaugurado em Nova York em 1948. Ironicamente, foi isso que salvou o local: com público escasso e alto custo de manutenção, o cinema de rua havia fechado as portas.

ALTERNATIVA Sessão ‘drive-in’ do Belas-Artes: criatividade para salvar o tradicional cinema paulistano (Crédito: Eduardo Knapp)

A mudança na maneira de ver filmes depende do poder do público, mas também de quem os produz e distribui mundo afora. Grandes estúdios como Warner e Disney cansaram de remarcar as datas de estreias de suas grandes produções e apostaram todas as fichas no streaming. O aguardado “Mulan” foi parar no Disney+ e a Warner fechou parceria com a HBO Max para exibir filmes caríssimos como “Tenet” e “Dune”.

Os vilões

Quem não gostou nada dessa trama foram os diretores. Christopher Nolan, responsável por longas como “Interestelar”, “A Origem” e “Tenet”, acusou a Warner de agir em segredo e ainda afirmou que o streaming da HBO é o “pior que existe”. “A Warner tem alguns dos maiores cineastas e astros do mundo, profissionais que trabalharam durante anos em projetos pensados para serem experiências na tela grande”, criticou, em entrevista à TV americana.

Preocupados com as bilheterias cada vez mais escassas, os executivos dos estúdios de Hollywood viram no streaming uma oportunidade de negócios. Com distanciamento entre poltronas, máscaras obrigatórias e a restrição na venda de pipocas e guloseimas, as salas reabertas em julho em todo o mundo levaram o setor a prejuízos incalculáveis. A solução foi inovar: no Brasil, o Petra Belas-Artes, famosa sala de filmes artísticos em São Paulo, apostou em estratégias criativas e conseguiu bons resultados, ainda que temporários. Uma delas foi a volta do antigo modelo de “drive-in”: as sessões de clássicos como “Laranja Mecânica” e “Apocalipse Now” tiveram ingressos esgotados.

André Sturm, ex-secretário de Cultura de São Paulo e proprietário do Belas Artes, afirmou que a alternativa aliviou as contas e permitiu manter funcionários, mas ficou longe de ser lucrativa.

OPINIÃO Christopher Nolan: diretor criticou mudança nos contratos e defendeu a exibição de seus filmes na tela grande (Crédito:Melinda Sue Gordon)

“Não fiz as contas ainda, mas o prejuízo ultrapassou R$ 1 milhão”. O Belas-Artes também criou seu próprio serviço de streaming, com cardápio de filmes alternativos no estilo de sua programação tradicional. “Os cinemas abriram depois de bares e restaurantes, o que causou a sensação de que não eram locais seguros”, diz Sturm.

No Rio de Janeiro, o Cine Jóia, tradicional reduto de cinéfilos que havia sido comprado e revitalizado em 2011, fechou as portas em novembro desse ano.

Na Europa, a ajuda veio do setor público: em Paris, a prefeita aprovou um auxílio de quase 500 mil euros para 36 salas de cinema. Nos EUA, o início da vacinação acendeu uma esperança. Apesar de ter sido adiada para abril, e não ser em fevereiro, como de costume, a cerimônia do Oscar será feita de forma presencial – o Emmy, o prêmio da TV, ocorreu em formato de live, em novembro. Os fãs de cinema esperam que, tanto na vida real quanto nas salas de cinema, essa história tenha um final feliz.