Na Grécia antiga, as fábulas eram usadas para educar a população por meio de relatos fantásticos incutidos por alguma lição moral. Seria factível aplicar um formato tão clássico à ficção científica? George Clooney, diretor e protagonista de “Céu da Meia-Noite” prova que sim. O filme, que chega aos cinemas e na Netflix em 23 de dezembro – a tempo de concorrer ao Oscar 2021 –, é uma metáfora futurista repleta de esperança, mas que também traz um grave alerta à humanidade.

A produção tem dois eixos narrativos, um na Terra, outro no espaço, e se passa no ano de 2049. No primeiro, o Dr. Augustine Lofthouse (Clooney) vive isolado em uma base no Ártico e é um dos últimos sobreviventes do “evento”, catástrofe ambiental não detalhada. Quando era jovem, o cientista desenvolveu a teoria de que a humanidade poderia sobreviver em uma lua de Saturno, astro que apresentaria um clima semelhante ao da Terra. Antes de o planeta sofrer o tal cataclisma, porém, uma missão espacial foi enviada para colonizar o distante e promissor corpo celeste. Após a tragégia na Terra, Augustine tenta entrar em contato com a nave para informar sobre o que aconteceu. Enquanto isso, no eixo espacial, uma trupe internacional – com Felicity Jones, Demian Bichír, David Oyelowo, Kyle Chandler e Tiffany Boone no elenco – enfrenta seus próprios problemas para sobreviver. A falta de comunicação entre os dois eixos é outro problema para o qual o filme tenta nos alertar.

“Céu da Meia-Noite” é a adaptação do livro “Good Morning, Midnight”, de Lily Brooks-Dalton. Esse é o sétimo filme de Clooney como diretor e seu melhor trabalho atrás das câmeras até hoje. A inteligente combinação de drama humano e desafio tecnológico abre uma lacuna para a reflexão e a contemplação visual, valorizada pela incrível trilha sonora de Alexandre Desplat, vencedor do Oscar por “A Forma da Água” e “Grande Hotel Budapeste”. O roteiro é assinado por Mark L. Smith, autor de “O Regresso” – e ele parece ter se adaptado bem ao estilo estelar: seu trabalho o levou a ser convidado para escrever a sequência de “Star Trek”, próximo filme de Quentin Tarantino.

Filmado em temperaturas de até -40Co na Islândia e em estúdios na Inglaterra, “Céu da Meia-Noite” não é apenas uma bela produção visual, como representa uma essencial valorização da ciência e das relações humanas. Assim como na Grécia antiga, a fábula de Clooney tem muito a ensinar. Em tempos sombrios como esses, talvez a luz no fim do túnel venha justamente de uma tela de cinema.

ENTREVISTA
George Clooney, ator e diretor

“Quero mostrar o mal que o homem pode causar a si mesmo”

Muitos filmes de ficção científica foram lançados nos últimos anos. O que você quis trazer de novo ao gênero?
Quando comecei a planejar o filme, queria mostrar o mal que o homem é capaz de fazer a si mesmo e à humanidade. Toda essa angústia e ódio presentes não apenas nos EUA, mas em todo o mundo. Quando terminamos as filmagens, porém, começou a pandemia.

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Você teve de fazer alguma alteração?
Não, o filme já estava pronto. Mas percebi que a história na verdade já está acontecendo em tempo real. Tudo que as pessoas desejam, no fundo, é estar em casa, perto de quem amam. Infelizmente, a situação atual é muito difícil.

Qual é o alerta principal que o filme faz?
Se seguirmos dessa maneira por trinta anos, negando a ciência e o aquecimento global, não é irreal imaginar que podemos realmente estragar tudo.

Você filmou na Inglaterra e na Islândia. Como foi isso?
Foram praticamente dois filmes diferentes. A primeira metade foi filmada na Islândia, em temperaturas de até
-40 Co. Fomos então para a Inglaterra, e filmamos as cenas da espaçonave em estúdio. Foi como fazer “O Regresso” e “Gravidade” ao mesmo tempo.

O filme aborda o apocalipse, mas oferece um sentimento de esperança. Por que optou por esse caminho?
No início da filmagem, a atriz Felicity Jones me ligou e disse que estava grávida. Tentamos opções técnicas e efeitos especiais para esconder sua gravidez. Até que resolvemos aceitá-la e até incluir o fato no roteiro, sem tratar como um problema. Ficou adequado: os personagens buscam a vida no espaço, mas o único sinal claro de vida é o que vem de dentro da personagem de Felicity. Isso teve tudo a ver com a história e se tornou um símbolo de esperança.