Ninguém no Brasil tem uma família tão grande quanto Mauricio de Sousa. Além dos dez filhos biológicos, ele é responsável pela criação de mais de 400 personagens, tratados com o mesmo carinho paternal. Isso sem contar os outros 450 profissionais com quem divide o maior estúdio do gênero no País. Nascido na cidade paulista de Santa Isabel, Mauricio fez 85 anos essa semana. Sua saga começou aos 19, quando mudou-se para a capital e escreveu reportagens policiais na Folha de S. Paulo. Em 1959, aos 24, realizou o sonho: publicou no jornal uma tirinha com um personagem seu, o cão Bidu e seu dono, Franjinha. Aí vieram Mônica e Magali, inspiradas nas filhas, Cebolinha e Cascão.

PAIZÃO Mauricio de Sousa e a turma no cinema: sucesso dos quadrinhos para as telas (Crédito:Reprodução)

Ele nunca imaginaria que mais tarde as revistas da turma venderiam milhões de exemplares, nem que os personagens se tornariam a maior marca infantil do Brasil, com milhares de produtos em 30 países. Apesar da origem analógica, o império contra-ataca: o canal do Youtube, com animações em estilo Toyart, o Mônica Toy, passou de 15 milhões de inscritos. Some-se a eles os 14 milhões de audiência das animações na TV paga, em canais como Cartoon Network e Boomerang. A grande novidade, porém, será mesmo nos quadrinhos: a Turma da Mônica em versão adulta. Ainda não tem data para começar, mas a ideia já intriga Mauricio e sua turma de desenhistas. Depois do sucesso da Turma da Mônica Jovem, que mostra os personagens com idades de adolescentes, Mauricio estuda uma maneira de adaptá-los para a vida adulta. “Estou conversando com roteiristas da Globo para imaginar como podemos criar histórias instigantes. Também quero falar com psicólogos e jornalistas, uma vez que a ideia é abordar temas que estão acontecendo em tempo real”, afirma Mauricio. O plano é ambicioso: a idade da turma acompanhará o tempo cronológico dos leitores, ou seja, o primeiro ano traria Mônica com 25 anos, no ano seguinte com 26, e assim por diante. “Ainda precisamos definir como seria a relação entre eles, quem casaria com quem, quem teria filhos com quem”, explica.

No Japão

Apesar do alto investimento para abrir a subsidiária da MSP no Japão, Mauricio revela que a maior aposta da empresa será no audiovisual. Isso graças ao sucesso de “Laços”: seu primeiro filme com atores de carne e osso ultrapassou os dois milhões de expectadores e foi uma das maiores bilheterias do cinema nacional em 2019. Dirigido por Daniel Rezende, o filme será uma trilogia. Além de “Lições”, que já está pronto e ainda não estreou apenas devido à pandemia, há o plano de filmar “Lembranças”. Os roteiros são inspirados nas histórias das graphic novels da MSP, selo para o qual Mauricio permite a outros autores desenhar seus personagens — tudo sob a supervisão do paizão, claro.


ENTREVISTA

“Todos nós somos substituíveis”

FAMÍLIA Mauricio de Sousa Produções: estúdio no Japão e 450 profissionais no escritório de São Paulo (Crédito:Divulgação)

Você tem feito campanhas de conscientização, até o Cascão lavou as mãos contra o coronavírus. Quadrinhos devem ter função social?
Criei esses personagens há 60 anos inspirados nas minhas filhas, mas percebi que não estava falando só sobre crianças próximas. Sempre tento descobrir como podemos ajudar crianças com problemas e suas famílias.

Como manter os leitores jovens que estão envelhecendo?
Ninguém envelhece hoje, só fica com mais idade. E eles gostam de continuar a se ver nas histórias. Não quero que falem: “a turma já foi criança, jovem e adulta, vai fazer agora a da terceira idade?”. Estou conversando com novelistas da Globo, psicólogos e jornalistas. A ideia é construir histórias atuais, em tempo real.

Horácio ainda é o seu favorito?
Horácio não é meu favorito, é meu alter-ego. Em breve ele vai virar desenho animado em 3D no Japão.

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Como você, um ícone cultural, está vendo a situação da Cultura?
Está havendo muita escorregada nessa área. Mas vai passar, a gente vai firmar o pé. A cultura se sobrepõe a problemas e armadilhas que colocam na frente dela. Nós, artistas, temos a obrigação de enfrentar e ganhar essa batalha.

A notícia de que a Mônica fez 60 anos deixou muita gente surpresa. Como você se sente tendo uma filha que virou uma personagem universal?
Fico feliz da vida. Tenho duas Mônicas para cuidar, a real e a desenhada.

Você tem saudade de ficar sozinho com seus personagens?
Eu teria se tivesse parado com as atividades, mas não consigo parar. Acompanho, vejo, brigo. Quando tenho saudade, volto a fazer alguma coisa que havia abandonado.

Seu filho Mauro é ativo na defesa da comunidade LGBT. Ele quer um personagem gay na Turma da Mônica?
Ele já sugeriu. Vamos aguardar a sociedade tratar isso de maneira mais aberta, mas por enquanto sinto que ainda não é o momento. Não tenho nada contra, o Mauro é uma maravilha, respeitoso e respeitado. O que interessa é que meus filhos encontrem seus caminhos e sejam felizes.

Tivemos recentemente a morte do Quino, influente cartunista argentino. Há uma nova geração chegando?
A gente nunca sabe, mas sempre aparece algum jovem. Todos nós somos substituíveis, às vezes demora um pouquinho, mas sempre chega alguém. Tem muita criança aí rabiscando para ser o Mauricio de Sousa do futuro. O importante é dar material para desenhar e deixar brincar.

Você acaba de completar 85 anos. O que te motiva a ir ao estúdio todos os dias?
Sigo inventando coisas. Vamos acrescentar um pouco de tecnologia às histórias, celular, essas coisas. As crianças pedem isso. Mas aquela ruazinha tranquila, calma, essa vai continuar. Isso é desejado por todo mundo.


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