Há pouco mais de dois anos, ao assumir o primeiro mandato, Augusto Aras declarou que idealizava a transformação da Procuradoria-Geral da República em uma instituição “lúcida”, “dinâmica” e “transparente”. Prometeu, ainda, que o órgão jamais faria vista grossa diante de indícios de crimes identificados em “qualquer estrutura ou organização, pública ou privada”. O discurso parecia promissor. O tempo, porém, demonstrou que as palavras não passavam de conversa fiada. A emenda saiu pior que o soneto.

Não bastasse colocar umas das mais importantes instituições do país aos pés de Jair Bolsonaro e precarizar a estrutura de núcleos dedicados ao combate ao crime organizado e à corrupção, Aras desonra a PGR com a própria truculência. O chefe do Ministério Público Federal deu mostras do autoritarismo na terça-feira, 24, ao partir para cima de um de seus pares, o subprocurador Nívio de Freitas, por ter sido contrariado.

O procurador-geral da República abespinhou-se durante a eleição dos membros das Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF, dedicadas ao trabalho em áreas específicas, como a criminal, a de combate à corrupção e a de Direitos Sociais e de Fiscalização de Atos Administrativos em geral. Aras queria incluir na 4ª Câmara, que se dedica ao nicho de Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural, um de seus aliados, o subprocurador Joaquim Barros Dias.

Parte dos integrantes do Conselho Superior do MPF, entre eles Nivio, buscou o microfone. Em reação, o PGR disse que não admitiria uma “bagunça” na sessão. O subprocurador, então, frisou que Aras havia interrompido manifestações antes. “Se Vossa Excelência quer respeito, me respeite também”, disparou. Ato contínuo, o PGR esbravejou que Nivio não era “digno de respeito”, bateu na mesa e se dirigiu ao colega, sendo contido no meio do caminho por seguranças e subprocuradores para não partir para a agressão física.

Reprovável, a postura de Aras, acuado por críticas internas e pela perda de espaço em colegiados do Ministério Público, assemelha-se à de Bolsonaro, que costuma recorrer a ofensas e dedos em riste sempre que confrontado. A atitude provocou manifestações, regadas à ironia, de procuradores do MPF, sobretudo daqueles que integravam a Lava Jato, operação desmantelada na gestão do atual procurador-geral da República. “Chama o Dana White (presidente do UFC) para escolher o próximo PGR”, escreveu, nas redes sociais, Monique Checker, que fez parte da força-tarefa de Curitiba.

A exaltação de Aras não é inédita. Em julho de 2020, uma sessão do Conselho Superior do MPF ferveu após Nicolao Dino ler uma carta aberta escrita por ele e outros três subprocuradores repleta de críticas ao procurador-geral da República pelos ataques à Lava Jato. Na ocasião, Aras tomou a palavra por 20 minutos, acusou os colegas de realizarem uma oposição sistemática a ele e os atacou por entender que os quatro usavam a imprensa para enfraquecê-lo por meio de declarações concedidas em anonimato. “Sob a voz lânguida de algum colega, existe a peçonha da covardia de não mostrar a cara, de não mostrar a sua assinatura”, disparou. Na sequência, encerrou a reunião de forma abrupta, sem dar aos presentes a chance de uma tréplica.

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Bom seria se Aras usasse da mesma altivez para aprofundar os processos baseados em investigações da CPI da Covid que apontaram omissões do governo Bolsonaro na pandemia da Covid-19, a qual ceifou a vida de mais de 660 mil brasileiros. Ou se tivesse tamanha bravura para peitar o presidente da República em seus recorrentes ataques ao sistema eleitoral e à democracia. Ou, quem sabe, para avançar sobre o Centrão, que, além de sequestrar o orçamento federal, usa o dinheiro público em compras e obras suspeitas.

É o mínimo a ser exigido de um agente público que garantiu que não haveria poder de Estado imune à ação ministerial. Passado o tempo das frases feitas, agora, entende-se por que, ao empossar Aras, Bolsonaro falou em “amor à primeira vista”.


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