25/05/2022 - 10:26
Há pouco mais de dois anos, ao assumir o primeiro mandato, Augusto Aras declarou que idealizava a transformação da Procuradoria-Geral da República em uma instituição “lúcida”, “dinâmica” e “transparente”. Prometeu, ainda, que o órgão jamais faria vista grossa diante de indícios de crimes identificados em “qualquer estrutura ou organização, pública ou privada”. O discurso parecia promissor. O tempo, porém, demonstrou que as palavras não passavam de conversa fiada. A emenda saiu pior que o soneto.
Não bastasse colocar umas das mais importantes instituições do país aos pés de Jair Bolsonaro e precarizar a estrutura de núcleos dedicados ao combate ao crime organizado e à corrupção, Aras desonra a PGR com a própria truculência. O chefe do Ministério Público Federal deu mostras do autoritarismo na terça-feira, 24, ao partir para cima de um de seus pares, o subprocurador Nívio de Freitas, por ter sido contrariado.
O procurador-geral da República abespinhou-se durante a eleição dos membros das Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF, dedicadas ao trabalho em áreas específicas, como a criminal, a de combate à corrupção e a de Direitos Sociais e de Fiscalização de Atos Administrativos em geral. Aras queria incluir na 4ª Câmara, que se dedica ao nicho de Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural, um de seus aliados, o subprocurador Joaquim Barros Dias.
Parte dos integrantes do Conselho Superior do MPF, entre eles Nivio, buscou o microfone. Em reação, o PGR disse que não admitiria uma “bagunça” na sessão. O subprocurador, então, frisou que Aras havia interrompido manifestações antes. “Se Vossa Excelência quer respeito, me respeite também”, disparou. Ato contínuo, o PGR esbravejou que Nivio não era “digno de respeito”, bateu na mesa e se dirigiu ao colega, sendo contido no meio do caminho por seguranças e subprocuradores para não partir para a agressão física.
Reprovável, a postura de Aras, acuado por críticas internas e pela perda de espaço em colegiados do Ministério Público, assemelha-se à de Bolsonaro, que costuma recorrer a ofensas e dedos em riste sempre que confrontado. A atitude provocou manifestações, regadas à ironia, de procuradores do MPF, sobretudo daqueles que integravam a Lava Jato, operação desmantelada na gestão do atual procurador-geral da República. “Chama o Dana White (presidente do UFC) para escolher o próximo PGR”, escreveu, nas redes sociais, Monique Checker, que fez parte da força-tarefa de Curitiba.
A exaltação de Aras não é inédita. Em julho de 2020, uma sessão do Conselho Superior do MPF ferveu após Nicolao Dino ler uma carta aberta escrita por ele e outros três subprocuradores repleta de críticas ao procurador-geral da República pelos ataques à Lava Jato. Na ocasião, Aras tomou a palavra por 20 minutos, acusou os colegas de realizarem uma oposição sistemática a ele e os atacou por entender que os quatro usavam a imprensa para enfraquecê-lo por meio de declarações concedidas em anonimato. “Sob a voz lânguida de algum colega, existe a peçonha da covardia de não mostrar a cara, de não mostrar a sua assinatura”, disparou. Na sequência, encerrou a reunião de forma abrupta, sem dar aos presentes a chance de uma tréplica.
Bom seria se Aras usasse da mesma altivez para aprofundar os processos baseados em investigações da CPI da Covid que apontaram omissões do governo Bolsonaro na pandemia da Covid-19, a qual ceifou a vida de mais de 660 mil brasileiros. Ou se tivesse tamanha bravura para peitar o presidente da República em seus recorrentes ataques ao sistema eleitoral e à democracia. Ou, quem sabe, para avançar sobre o Centrão, que, além de sequestrar o orçamento federal, usa o dinheiro público em compras e obras suspeitas.
É o mínimo a ser exigido de um agente público que garantiu que não haveria poder de Estado imune à ação ministerial. Passado o tempo das frases feitas, agora, entende-se por que, ao empossar Aras, Bolsonaro falou em “amor à primeira vista”.