LUTO Filmagem suspensa: set de “Rust”, onde ocorreu
a morte de Halyna, agora é área restrita à polícia (Crédito:Andres Leighton)

A produtora Hannah Gutierrez-Reed, de 24 anos, era a “armeira-chefe” de “Rust”, faroeste dirigido por Joel Souza. Seu trabalho era cuidar das pistolas cenográficas usadas no set de filmagem. Prestes a entrar em cena, o ator Alec Baldwin, estrela do filme, recebeu uma dessas armas e ouviu a garantia de que ela estava “fria”, ou seja, poderia ser disparada em segurança. Baldwin atirou, mas percebeu que havia algo errado. O tiro atingiu a diretora de fotografia Halyna Hutchins, de 42 anos, e resvalou no próprio diretor, Joel Souza. Hutchens foi levada de helicóptero para um hospital, onde foi declarada morta. Souza foi internado, mas teve alta no dia seguinte. A produção foi interrompida.

A função de “armeiro” é comum em Hollywood. A própria Hannah é filha de um profissional lendário na área, Thell Reed, hoje com 78 anos. Aos 13, ele já se apresentava para grandes plateias, cativando o público com sua pontaria perfeita. Nos anos 1960, foi convidado para trabalhar no cinema, onde os faroestes e filmes de guerra exigiam a presença de um especialista como ele. Ironicamente, sua filha não teve o mesmo reconhecimento da indústria, muito pelo contrário: durante a filmagem de “The Old Way”, anterior a “Rust”, o ator Nicolas Cage já tinha pedido a demissão de Hannah após reclamar que ela agia de forma irresponsável.

RISCOS Por um triz: Angelina Jolie quase foi esmagada por um guindaste em “Malevóla” (Crédito:Divulgação)

A morte de Halyna levou o cineasta Bandar Albuliwi, ex-colega da vítima, a criar uma petição exigindo a proibição de armas de fogo nos sets. O abaixo-assinado já tem mais de 27 mil nomes, incluindo atores como Olivia Wilde e Holland Taylor. Segundo Bandar, “é preciso garantir que essa tragédia evitável nunca mais aconteceça, não há desculpa para algo assim acontecer no século 21”. O acidente em “Rust” lembra outro episódio trágico envolvendo o filho de Bruce Lee, Brandon Lee, que morreu com um tiro acidental nas gravações de “O Corvo”. Dados coletados pela Associated Press afirmam que, desde 1990, aconteceram 43 acidentes fatais semelhantes somente nos EUA.

No Brasil

Depois de tantas evidências, fica claro que a indústria do cinema será obrigada a discutir os limites da ficção para que eles não se tornem uma trágica realidade. O ator Tom Cruise, que não gosta de usar dublês em cenas de ação, chegou a quebrar o tornozelo durante as gravações de “Missão Impossível”. O mesmo aconteceu com Angelina Jolie: em “Malévola”, ela quase foi esmagada pelos cabos de ferro e guindastes que usava para “flutuar”.

No Brasil, o perfil @brcrewstories, no Instagram, traz relatos anônimos de episódios que denunciam as péssimas condições de trabalho no setor. “Após a discussão em um set de filmagem, uma membro da equipe com quem eu havia discutido apontou uma pistola para mim como forma de intimidação”, diz um post. “O diretor mandou o operador de drone jogar o equipamento em cima das pessoas”, diz outro testemunho. Poucos falam abertamente sobre o assunto sob medo de não serem mais contratados. Os acidentes estão geralmente associados a prazos apertados e pouco dinheiro.

FRATURA Teimosia perigosa: Tom Cruise quebrou o tornozelo por se recusar a usar dublês (Crédito:Paramount Pictures/Entertainment Pictures)

O diretor e produtor André Gevaerd diz que o episódio de Hollywood poderia facilmente ter ocorrido no País. “No Brasil é obrigatória a presença de um profissional com posse de armas, além de um policial ou membro das forças armadas. Com pouca fiscalização, nem todos seguem essas regras à risca”. Para ele, a discussão deveria ser outra: “O avanço da tecnologia está em um estágio tão avançado, que eu, como produtor, não vejo a necessidade do uso de armas reais. Na verdade, acho um absurdo que isso ainda aconteça”.