DENÚNCIA A ex-executiva do Facebook Frances Haugen falou ao Senado: produtos da empresa fragilizam a democracia e prejudicam as crianças (Crédito:Drew Angerer )

Atire a primeira pedra quem nunca se sentiu incomodado com a própria aparência depois de olhar uma imagem publicada no Instagram. A rede social conhecida pela publicação de fotos e vídeos (instantâneos ou longos) gera uma série de gatilhos no que diz respeito à autoestima e construção de identidade dos jovens em formação. Pesquisas sigilosas feitas pelos próprios desenvolvedores do aplicativo e obtidas pelo jornal norte-americano The Wall Street Journal mostram que 32% das meninas, crianças e adolescentes que usam a rede social passaram a aceitar menos os seus corpos e rostos. O texto do Facebook (empresa proprietária do Instagram) responsabilizava-se pelo fato de “uma em cada três garotas” usuárias da rede terem desenvolvido “problemas com a imagem do próprio corpo”. “Eu fico me comparando com outras pessoas, com o corpo de outras pessoas”, diz uma adolescente de 12 anos que preferiu não se identificar. “Vejo também que todo mundo está sempre rodeado de amigos e eu me sinto sozinha. Isso afeta minha autoestima”. Com a timeline tomando conta do dia a dia dos jovens, o desenvolvimento do senso crítico tende a ser prejudicado. Afinal, as publicações vendem um estilo de vida e padrões de beleza quase inalcançáveis.

Toda essa atmosfera traz sérios problemas que podem afetar a vida adulta dos jovens, afinal, é nesse período que eles desenvolvem a sua identidade. Vale ressaltar que o Instagram conta com um bilhão e trezentos e oitenta milhões de usuários em todo o mundo (mais de 40% deles são jovens com menos de 22 anos). No Brasil, cento e dez milhões de pessoas estão na plataforma — o que coloca o País em terceiro lugar com mais contas ativas. “Nessa rede, quem tem mais curtidas e engajamento são as pessoas que, em teoria, se mostram perfeitas, sem defeitos”, diz Katherine Libânio Paula, neuropsicóloga especialista em psicopatologia, na Clínica Maia. “Isso provoca sentimento de desvalia e vergonha para aqueles que não se encaixam nesse perfil.” As consequências disso são a depressão, a ansiedade e a solidão. “Ninguém é perfeito. Se você sustenta essa imagem na internet acaba escondendo os sentimentos ruins, que fazem parte da vida”, diz Vinícius Pimenta, de 20 anos, que aos 12 precisou levar suas questões para a terapia, pois não aceitava os seus cabelos cacheados e olhos escuros: queria ter cabelo liso e castanho e olhos azuis. Hoje em dia, depois de anos de tratamento, Pimenta percebe que aquele mundo ideal é ilusão — e já não o idealiza mais.

“O ambiente do Instagram fica tóxico porque a vida real fica em segundo plano” Marcelo dos Santos, psicólogo (Crédito:GABRIEL REIS)

Crise de identidade

É justamente nesse período da vida, na adolescência, um momento de definição de novos papéis sociais, que Pimenta teve mais problemas com as redes. Ao longo do dia, o jovem troca de “personagem”: pode ser filho, aluno, amigo, sobrinho e assim por diante. Mas a partir do momento que as mídias sociais passam a invadir a vida real, inibindo essa troca saudável e necessária de papéis, o comportamento congela e o jovem passa a ser somente o influencer, independentemente de quem seja o seu interlocutor. “O ambiente do Instagram se torna tóxico porque a vida real fica em segundo plano”, diz o psicólogo Marcelo dos Santos, professor da Universidade Mackenzie e colaborador do Instituto Brasileiro de Análise de Dados sobre o Monitoramento de Redes Sociais. “A criança ou o adolescente começa a sentir mais prazer nas curtidas do que em momentos de fato vividos. Há um problema de formação identitária”, diz.

Não à toa, Frances Haugen, ex-executiva do Facebook, foi na semana passada ao Senado norte-americano para denunciar os problemas das redes sociais de Mark Zuckerberg. “Os produtos do Facebook prejudicam as crianças, alimentam a divisão e enfraquecem nossa democracia”, afirmou. Frances também disse que a empresa deixou de lado a segurança de seus usuários para beneficiar-se de seus lucros. Horas depois, Zuckerberg retrucou: “isso não é verdade”.

Em meio à confusão, Facebook, WhatssApp e Instagram sofreram um apagão nos EUA, Brasil, Portugal, Reino Unido e Índia — ficando, em média, sete horas fora do ar. Esse período forçado “offline” trouxe à luz importantes discussões de como as nossas vidas poderiam ser longe das redes sociais. Necessidade ou vício? A solução seria desligar-se totalmente ou aprender a usá-la com sabedoria? Especialistas apontam para a segunda opção. Há bons exemplos de adolescentes que usam o Instagram, inclusive, como forma de trabalho e têm uma relação saudável com seus milhares de seguidores e infinitas curtidas. Um exemplo disso é a cantora e dançarina Beatriz Torres. Ela tem 16 anos e mais de 800 mil seguidores no Instagram e se viu livre, certo dia, depois que acordou, lavou o rosto e ligou a câmera do celular sem qualquer produção. Descabelada e sem maquiagem, gravou um vídeo compartilhando angústias e inseguranças. Desde então, sua relação com a timeline ficou mais leve. “Tento me esforçar para que a minha vida não seja só na tela do celular e agradeço os meus pais por isso, porque eles nunca trataram a fama como uma prioridade”, diz. “Percebo que a desintoxicação me faz bem e me permite aproveitar o mundo real”.