Nunca houve mulher mais poderosa que ela, e poucas tão autocráticas e implacáveis. Isabel de Castela (1451-1504) ou Isabel, a Católica, passou à história como a primeira e maior rainha despótica da Europa, a precursora de monarcas femininas que a sucederiam como Maria I da Inglaterra (sua neta), conhecida como Maria, a Sangrenta, e sua meio-irmã, Elizabeth I, a Rainha Virgem. Nos séculos seguintes, seria emulada por Catarina da Rússia e Vitória. O historiador inglês Giles Tremlett se propõe a decifrar as razões da aparição de uma personalidade tão monolítica na biografia “Isabel de Castela — A Primeira Grande Rainha da Europa”, lançada pela editora Rocco.

SÉRIE A televisão espanhola produziu entre 2012 e 2014 a série “Isabel, a Rainha de Castela”, em exibição no canal Mais Globosat (Crédito:Divulgação)

Segundo Tremlett, Isabel acreditava que seus atos derivavam de inspiração divina. Nesse espírito, planejou reconquistar a Europa e a Terra Santa dos mouros. “Isabel não tinha nenhum escrúpulo em empregar a violência, sentindo a mão de Deus por trás de cada golpe desfechado em seu nome”, afirma seu biógrafo. Ela idolatrava Joana D’Arc, a santa guerreira que comandava tropas, mas não a imitou: “Isso era trabalho de homem e ela acreditava firmemente na divisão dos sexos (bem como de classes, fé religiosa e grupos étnicos).” Seu conservadorismo extremado não a impediu de, “apesar de ser uma mulher frágil”, como dizia, se orgulhar de ter tido mais ousadia que os homens que comandou.

Guerra santa

Isabel, na prática, governou sozinha a Espanha, apesar de casada com Fernando Aragão, que aparentemente governava ao lado dela. Com a união entre Castela e Aragão, Isabel fundou a Espanha moderna. E o fez com uma rigidez que não admitia dissidências. Com a missão de “purificar” a Europa cristã dos infiéis, estabeleceu a temível Santa Inquisição na Espanha, que por 300 anos perseguiu, batizou, prendeu, expurgou e executou muçulmanos, judeus e protestantes. Isabel ainda patrocinou cruzadas vitoriosas e expedições ultramarinas lucrativas. Entre estas, a mais célebre foi a de Cristóvão Colombo, o navegador genovês que acabou descobrindo para Isabel a América, seu ouro quase inesgotável e milhares de tribos indígenas dóceis a conversões maciças.

“Isabel tornou-se um modelo de toda virtude possível e um símbolo para conservadores e ditadores”Giles Tremlett, historiador

Isabel antecipou o sonho de tiranos que imaginavam a Europa unida pela fé católica e a pureza racial. Assim conquistou devotos entre ditadores e sacerdotes. Em 1951, no convento em que ela nasceu, em Madrigal de Las Torres, o general Francisco Franco fixou uma placa com os dizeres: “A inspiração para nossa política na África”. Em 1930, o exército de Franco ocupara a Guiné com um regime totaliário e racista.

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Tamanha admiração fez com que sua imagem tenha sido excluída das narrativas igualitárias da Europa atual. As crônicas do tempo a descrevem como uma jovem bela, miúda e delicada, de cabelos loiros cacheados e olhos azuis. Era discreta, falava pouco e se dedicava à catequese. A imagem suave e a integridade de caráter parecem não combinar com os atos despóticos que cometeu. Por outro lado, a ausência de relatos sobre amantes e aventuras sexuais poupou-a das lendas e fofocas da posteridade. “O fogo do amor e da luxúria ocultos não incendiou seu reinado”, afirma Giles Tremlett. “A paixão era por Deus, seu marido e seu país. Sua história não é sobre sexo. É sobre poder.” Um poder que elevou a Espanha, no século 16, à condição de a maior potência econômica e militar do mundo.

 


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