A retomada presencial do Fórum de Davos, neste semana, acontece num momento de grande cautela. Esse encontro anual de empresários e personalidades sempre antecipou tendências e transformou-se em uma espécie de vitrine do futuro. O cenário atual é sombrio, com alta de inflação, globalização em xeque, crise energética e emergência alimentar.

O retrato negativo começa com a ausência da Rússia, que sempre foi avaliada como uma estrela em ascensão do mundo globalizado e agora transformou-se em pária. Vladimir Putin está em guerra contra o mundo depois de invadir a Ucrânia. Fez a Europa voltar aos bombardeios e crises humanitárias da época da Segunda Guerra e, com isso, isolou seu país. Não há mais laços financeiros, comerciais e tecnológicos com o ocidente. De quebra, Putin insuflou uma crise energética ao ameaçar cortar o gás fornecido aos europeus e elevar o preço internacional do petróleo.

Davos acontece quando o mundo achava que se recuperava da pandemia. Mas os lockdowns atuais na China, que estão confinando milhões e paralisando regiões estratégicas, mostram que a política de “Covid Zero” do país fracassou, o que vai penalizar o crescimento. Neste ano, pela primeira vez desde a década de 1970, os EUA podem ter um crescimento anual maior do que o gigante chinês. O panorama do país de Xi Jinping também é prejudicado pelo cerco do Partido Comunista aos bilionários e às big techs, o que já provocou perdas trilionárias nos ativos tecnológicos locais. De forma inédita na história recente, investidores internacionais estão cautelosos com a China, que até recentemente foi o motor do crescimento mundial.

A Covid e a guerra na Ucrânia também fizeram a globalização regredir. As interrupções nas cadeias de produção estão rearranjando prioridades entre as nações, que se voltam para a produção local e um maior protecionismo. Essas duas crises simultâneas também impedem um maior aperto financeiro depois que um volume inédito de capital foi despejado pelos bancos centrais para fazer frente às interrupções causadas pelo coronavírus. O resultado é um aumento inflacionário generalizado, que vai atingir principalmente EUA e América Latina. Na África e no Oriente Médio, a fome vai crescer por causa da escassez alimentar, também causada pela interrupção das exportações de grãos e trigo da Rússia e Ucrânia.

E o Brasil diante disso? Continua ausente. Bolsonaro estreou no cenário internacional no próprio fórum suíço, em 2019, quando deixou todos perplexos com sua inadequação para o debate e a ausência de propostas. De lá para cá, o panorama só se agravou. O Brasil também virou um pária por acelerar a destruição da Amazônia, quando todo o planeta se esforçava para implantar a transição para a energia verde. Além disso, o brasileiro tornou-se um dos poucos líderes mundiais a ameaçar diretamente as democracias. Assim como Putin, Bolsonaro não aponta para aquilo que o mundo deseja se tornar. Os dois representam tudo aquilo que o planeta se esforça para esquecer.