Conversar com o americano John Hewko, 60 anos, é receber um sopro de otimismo em relação ao futuro do planeta. Secretário-geral do Rotary Internacional — entidade não-governamental que congrega 1,2 milhão de associados espalhados pelo mundo — ele está à frente de um dos mais bem sucedidos projetos de saúde pública da história: a erradicação da poliomielite, prevista para acontecer em no máximo cinco anos. Hewko também coordena diversos outros projetos que estão ajudando a mudar outras questões igualmente graves, entre elas o combate ao analfabetismo e o estímulo à amamentação. “Estou muito otimista”, disse na entrevista que concedeu à ISTOÉ dois dias antes de mediar, em São Paulo, na quinta-feira 15, uma mesa redonda sobre inovações em saúde pública durante o Fórum Econômico Mundial para a América Latina. “Apesar de todos os problemas, há transformações importantes, como o engajamento da juventude em prol de ações sociais e ambientais e o início de mudança na mentalidade de várias empresas”, afirmou.

O sr. coordenará uma mesa para falar sobre as inovações em saúde pública no mundo. Quais são as principais ações nesse sentido?

Em 2030, teremos quase dez bilhões de pessoas no planeta. Os desafios nos cuidados com a saúde serão enormes nas próximas décadas. Por essa razão, uma das atitudes que mais defendo é a formação de parcerias entre o setores público e privado e a sociedade civil. Essa é a chave.

Pode dar um exemplo de uma experiência vitoriosa dentro desse conceito?

A luta pela erradicação da poliomielite (doença viral que pode deixar prejuízos importantes, especialmente na mobilidade). Em 1985, a Fundação Rotary teve a audácia de querer erradicar uma enfermidade. Naquela época, a única doença que havia sido erradicada era a varíola, em 1980. A Organização Mundial da Saúde (OMS) registrava cerca de 350 mil casos por ano, ocorridos em 125 países. Três anos depois, formamos uma parceria com a OMS, a Unicef e o Centro de Controle de Doenças (órgão americano responsável pelo combate à doenças infecciosas), criando a Iniciativa Global de Erradicação da polio. Após cinco anos, a Fundação Melinda Gates se juntou a todos. É umas das ações conjuntas mais exitosas da história da saúde pública. Em 2017, no mundo foram relatados 22 casos, no Afeganistão e no Paquistão. Nesse ano, foram apenas três casos.

Quando chegará a erradicação?

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Há algumas etapas que devemos percorrer antes disso. Temos ainda dois países com o vírus. Depois que casos não forem mais registrados, precisamos continuar vacinando a população por três a quatro anos. Quando virmos que não há mais casos, que o vírus não está mais circulando, poderemos declarar o mundo livre da polio.

E isso ocorrerá dentro de quanto tempo?

Acho que dentro de no máximo cinco anos vamos declarar a erradicação da polio. Assim que atingirmos isso, além de nenhuma criança ter mais essa doença, economizaremos entre US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões nos próximos anos. É um dinheiro hoje usado para custear as despesas com os cuidados que a doença exige. Poderemos destinar essa verba para outros problemas graves de saúde pública, como a malária e a Aids.

Como foi a experiência no Brasil, onde a doença está erradicada desde 1990?

O País foi um dos primeiros da América Latina a conter a proliferação do vírus. Foi e tem sido um trabalho muito importante. Em 2014, encontramos circulação do vírus nos esgotos, mas o governo brasileiro fez uma contenção imediata.

E em outros países? Que tipo de desafios enfrentam?

Em muitos lugares temos de entrar em áreas de conflito, por exemplo. Mas trabalhamos com líderes globais. Combinamos tréguas de alguns dias. Fizemos isso no Sri Lanka e em El Salvador, por exemplo. Chamamos isso de “dias de tranquilidade”. Em muitos casos essas tréguas foram o primeiro passo para iniciar um diálogo que levou à paz.

Como funciona o trabalho de vocês na prática?

O Rotary tem 1,2 milhão de pessoas associadas no mundo. No Brasil, são 55 mil. As pessoas contribuem com dinheiro. De 1985 até agora, juntamos 1,8 bilhão contra a polio. Também fazemos a defesa das causas junto a governos e contamos com uma rede incrível de líderes de comunidades locais. Além disso, temos um exército de pessoas que vão aos locais, de voluntários que estão na linha de frente, vacinando as crianças. Minha esposa, Margarita, está na Índia nesse momento, participando da campanha de vacinação. Os governos não podem fazer tudo sozinhos. Por isso as parcerias são tão importantes.

Quais as próximas metas em saúde pública?


Por enquanto não queremos desviar o foco na erradicação da polio. Mas estamos começando a pensar nos próximos desafios. Aprendemos muito no trabalho que fizemos até agora. O combate à enfermidade foi uma situação ideal para a ação. Era uma doença que todos sabiam do que se tratava, não era algo muito distante das pessoas quando começou o trabalho de combate ao vírus. A meta foi clara e fácil de medir e, por isso, um objetivo final preciso e alcançável. E as pessoas podiam participar além de darem dinheiro.

Que peso isso tem em ações nesse formato?

Quando se faz isso, há uma ligação emocional incrível com a causa. No meu primeiro dia de vacinação nacional na Índia, por exemplo, estava vacinando crianças e vi três delas engatinhando pela rua por causa da doença. Dei-me conta de que com as gotas de vacina que eu estava dando naquele momento, ajudava a evitar que aquilo acontecesse com outros. Não era só meu dinheiro. Isso foi real para mim. Não coisas abstratas, como contribuir somente, mandar um cheque e pronto.

O segredos para o sucesso das ações é esse envolvimento real?

Sim, também isso. A grande lição que temos nesse trabalho é a de que voluntários, pessoas normais, se têm vontade, energia e se juntam verdadeiramente, podem fazer milagres. É possível. Às vezes os problemas parecem tão grandes e ficamos nos perguntando como superá-los. O que aconteceu no combate à polio é o claro exemplo do poder do voluntariado, do engajamento verdadeiro. Sem barreiras de nacionalidade, religiosas, étnicas. O trabalho mostra como pessoas com diferentes habilidades, origens, religiões e culturas podem se unir e superar essas diferenças em prol de uma causa justa. A sociedade civil tem força para mudar o mundo para melhor.

De acordo com a experiência, inovação não significa apenas aplicação de tecnologias revolucionárias?

É uma combinação de fatores: humano, atitude, parceria e também o tecnológico. Na luta contra a polio, há, por exemplo, o desafio de chegar às crianças. Muitas vezes há povoados que nem sabemos que existem. Estamos usando sistemas de localização avançados para localizá-los.

O sr. acha que há ambiente para a adesão tão grande das sociedades civis em projetos do gênero? O mundo também vive o avanço de políticas xenófobas, protecionistas e voltadas para o individualismo.

Estou muito otimista. Apesar de tudo o que vemos, observo também mudanças em outro sentido. A Organização das Nações Unidas, por exemplo, aprovou e todos os países aceitaram cumprir metas que levarão ao desenvolvimento sustentável. Esse é um passo muito importante. Estamos criando uma consciência mundial de que temos de nos organizar para enfrentarmos os problemas do planeta. Os empresários também estão começando a entender que não são parte do problema, mas da solução. Grandes empresas estão tentando mudar suas ações empresariais para incorporar em seus modelos econômicos atitudes que acrescentem valor social.

De que tipo?

Formar organizações sustentáveis, fazer as coisas de forma a não gerar dano ambiental. A nova geração, por exemplo, até considera pagar mais quando as companhias atuam de maneira responsável. E elas estão se dando conta de que isso é bom para seus negócios, inclusive.


Há muita crítica de que tudo isso não passa de marketing para atender determinados públicos.

Estamos só começando com essa nova maneira de atuar. Levará tempo para que isso seja uma realidade geral. Mas está se buscando as formas certas de atuar. E não há outro remédio para o planeta sobreviver com todas as mudanças demográficas e ambientais que estão acontecendo. E a juventude está muito mais consciente disso.

Esse crescimento da adesão à iniciativas capitaneadas pela sociedade civil tem a ver com a tendência mundial de as pessoas se distanciarem da política formal e procurarem outras formas de ação social?

Depende muito do país. Em lugares onde há muita corrupção, muito roubo, as pessoas estão recorrendo às organizações não governamentais. Na Ucrânia, por exemplo, onde há muitos problemas assim, a população perdeu a fé nos governos. A sociedade civil está preenchendo as lacunas. Ganhou credibilidade onde o governo não tem. Nós, por exemplo, não nos metemos em política. E asseguramos a confiança no que fazemos. Por isso, nesse tipo de ação, é importante se manter apolítico, sem vinculação partidária. E temos que pensar que os orçamentos públicos também estão cada vez mais apertados.

O Brasil vive um momento de desesperança e cansaço após três anos de crises política e econômica. Mesmo nesse ambiente, o sr. acha que o País tem fôlego para superar isso?

O Brasil tem uma perspectiva bastante otimista. Há grande contraste dentro do próprio país, com lugares ricos e outros muito pobres. Mas vocês têm pessoas preparadas que podem combater os problemas com eficiência. Em alguns países não há sequer quantidade necessária de médicos, por exemplo.

 


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