A enfermidade do coração chamada miocardiopatia de Takotsubo foi descoberta por pesquisadores japoneses em 1991 e teve seu nome inspirado no formato de uma armadilha para pegar polvos. Pouco tempo depois, recebeu nos EUA a denominação de Síndrome do Coração Partido. Os muito românticos que nos desculpem, mas nessa nomenclatura não vai nada de poético: trata-se de uma doença bastante grave e que pode matar quem por ela acometido. Como a sua principal causa é o estresse elevado à última potência, nesses tempos atuais de pandemia a doença tem aumentado assustadoramente. No estado americano de Ohio, em estudo realizado na Cleveland Clinic, os casos de Síndrome do Coração Partido já saltaram de 1,5% para 7,8% nesses meses em que se vive sob o pavor e o estresse do novo coronavírus. “Grandes tragédias, como a Covid-19, causam estresse e dele decorre graves problemas no coração”, diz o cardiologista Sergio Timerman, do Instituto do Coração de São Paulo e integrante da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Nessa enfermidade os sintomas são os mesmos do infarto agudo — dores no peito e muita dificuldade para respirar —, só que acrescidos de uma inflamação do ventrículo esquerdo do coração, o que dá ao órgão o formato da armadilha citada no início desse texto. “A diferença é que essa síndrome não causa obstrução das artérias, mas, sim, uma alteração no músculo do coração”, diz Timerman.

A situação de exacerbado estresse induz a produção demasiada de substâncias estimulantes no organismo, sobretudo a adrenalina, que leva tal órgão a trabalhar mais rapidamente e com maior vigor. Até aí tudo bem, não fosse o fato de que tal rapidez e tal energia ocorrem em excesso. Esse é o mecanismo biológico que enquadra uma pessoa no diagnóstico de Síndrome do Coração Partido. “As cotecolaminas, hormônios que estão presentes em nosso organismo, são imprescindíveis para o funcionamento do mecanismo biológico que, diante de uma adversidade, nos leva a lutar ou a fugir”, diz Antonio Eduardo Pesadro, cardiologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

“Grandes tragédias, como a pandemia do coronavírus causam estresse e problemas no coração”, Sergio Timerman, cardiologista (Crédito:GABRIEL REIS)

De volta ao estudo da americana Cleveland Clinic, foram analisados 1.914 pacientes por cinco momentos diferentes e dutante dois meses. Desmontou-se um mito: aquele de que a enfermidade ocorria sobretudo em mulheres no período pós-menopausa. No Brasil, estima-se que quatorze milhões de pessoas sofram de males cardíacos, traduzindo-se em 30% de todas as mortes no País — são 30 mil óbitos por ano. Esse é o principal motivo que levou a Sociedade Brasileia de Cardiologia a iniciar um estudo de quantos episódios de Coração Partido estão incluídos nesses trágicos números.

Exame específico

O médico assistente do Instituto do Coração Roque Marcos Savioli, doutor em Cardiologia pela USP, conta que, em um de seus plantões, atendeu uma senhora de 80 anos em situação de emergência cardíaca. Ele só descobriu que se tratava de um caso de Síndrome do Coração Partido ao realizar um cateterismo: “Nos outros exames, a situa-ção da paciente estava normal. Só depois do cateterismo vimos a imagem de Takotsubo”. Na verdade, há tantas doenças ao todo, que existe um esforço internacional para melhor compreendê-las. Tanto é assim, que o Centro Nacional de Pesquisa Médica em Cardiologia da Rússia juntou pesquisadores americanos e europeus e realizaram uma vídeo conferência sobre esse vasto universo médico. Um dos temas priorizados foi justamente a Síndrome do Coração Partido.