O roteirista e seu agente entram na sala de reuniões com o frio na barriga de um ator quando sobe ao palco.

Uma mesa com dezesseis cadeiras, só duas vazias, para eles.

Na sala de espera, o agente repete o conselho:

– Não enrola. Essa gente é muito ocupada. A Netf….

– A Netflix é a nova Hollywood… já sei, já sei, você já me disse umas 300 vezes.

A reunião era para apresentar, para o canal, a sinopse de uma série-documentário, em oito episódios, sobre o Brasil de Bolsonaro.

O roteirista inicia a apresentação com um PowerPoint feito especialmente para a reunião.

– A série, como os senhores sabem, trata do Brasil durante o governo Bolsonaro. O primeiro episódio é exatamente no dia da posse e apresenta a rotina do presidente adaptando-se ao Palácio do Planalto, cenas prosaicas como seu café da manhã passando leite condensado no pão, combinadas com reuniões de nomeação dos ministros. Destaque ao ministro Moro, o juiz da Operação Lava Jato e responsável pela prisão de Lula.

Os americanos conversam entre si.

Um deles até já tinha ouvido falar do Lula.

Outro explicou que leite condensado é o que se usa para fazer “bregaderou”.

O agente, discretamente, gesticula para que o roteirista acelere.

– No segundo episódio faremos um flashback contando a campanha para presidente.

O slide mostra um clip com cenas reais, legendadas. Termina com o presidente dizendo que não entende nada de economia e que para isso escolheu o ministro Paulo Guedes.

Neste ponto o roteirista improvisa para explicar o significado de “Posto Ipiranga”.

Os americanos riem, divertidos.

A apresentação continua mostrando tudo que já conhecemos.

A ideia de nomear o filho sem experiência para embaixador em Washington, as primeiras reações do presidente à pandemia, as entrevistas no cercadinho, a saída do ministro Moro.

A platéia está gostando.

Conversam entre eles, passam notas, e em algumas cenas, como nos erros de português do ministro Weintraub, riem a valer.

O roteirista está transpirando.

Olha para o agente tentando entender porque estão todos rindo, mas o agente, como bom negociador, já assumiu o clima dos anfitriões e conta sobre o dia em que a ministra Damares disse que viu Jesus num pé de goiaba.

A sala explode em gargalhadas.

A apresentação continua.

O roteirista, tentando dar a devida seriedade ao assunto, apresenta um clipe da reunião de abril e os impropérios ditos pelo presidente.

Um dos executivos sugere que na produção final, o texto seja suavizado para que a série possa ser vista por um público mais jovem.

Bom sinal, pensa o agente.

A apresentação vai chegando ao fim, com a fuga do ministro Weintraub para Miami e as mentiras apresentadas pelo ministro Carlos Alberto Decotelli em seu currículo.

As risadas agora são uma constante.

Confuso, o roteirista conclui dizendo que a série dá margem a uma segunda temporada, com o que acontecer daqui para frente.

A sala explode em aplausos.

O principal executivo, na ponta da mesa toma a palavra:

– Parabéns! E que grata surpresa. Acreditávamos que seria um documentário e vocês trouxeram uma comédia que é exatamente o gênero que está faltando na nossa grade!

Conclui informando que a série está aprovada e que a produção deve começar o quanto antes.

Saindo da reunião, o roteirista pensa em dizer que não fará parte daquela farsa.

A série é um documentário e não uma comédia. Ele tem um nome a zelar.

Mas seu bolso fala mais alto e ao invés disso, pergunta ao agente:

– Acho que não rola mais o Fagundes pro papel de presidente, né?

O agente não responde. Estava mandando um WhatsApp para o Marcelo Adnet.

 

A Netflix tem uma nova produção no ar, um filme sobre a ascensão de Bolsonaro ao poder. Não precisa de legenda para cair na gargalhada