A depredação de prédios símbolos da democracia brasileira, impulsionada pelo inconformismo de criminosos de extrema-direita com a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas, é o epílogo de uma tragédia anunciada. Radicais negociaram às claras o plano de pintar, na capital federal, uma releitura da invasão do Capitólio dos Estados Unidos e pavimentaram o caminho para o caos sem ruborizar a face. Fizeram pior do que os radicais norte-americanos nos quais se inspiraram e promoveram, em Brasília, um quebra-quebra inédito, com a ocupação forçada simultânea do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Não teriam conseguido sem a conivência do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, tratado entre petistas como um prevaricador contumaz.

Os erros do GDF começaram com o sinal verde para a permanência do agrupamento de bolsonaristas pró-intervenção militar em frente à Base Administrativa do Quartel-General do Exército. Lideranças da oposição na Câmara Legislativa pontuam há semanas que o DF Legal, que fiscaliza a ordem urbanística da capital, poderia ter retirado os manifestantes, com base em uma lei distrital que proíbe acampamentos na área central de Brasília. Ibaneis, no entanto, insistiu — e ainda insiste — na tese de que somente o próprio Exército teria competência para fazer uma limpa no local.

A desmobilização não ocorreu nem mesmo depois da crise de 12 de dezembro, quando radicais, que usavam o acampamento como casa, queimaram veículos, ergueram barricadas com botijões de gás e pedras nas avenidas, ameaçaram populares e depredaram prédios públicos após a prisão de José Acácio Serere Xavante, que sugeriu um golpe de Estado e incentivou violência contra o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, mesmo com a presença de policiais militares nas ruas e a filmagem dos crimes por câmeras de segurança, ninguém foi preso. Foi a primeira vez, então, que aliados de Lula, como o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, condenaram a inércia de Ibaneis e das forças de segurança.

O governador do DF ainda foi além. Decidiu nomear Anderson Torres para o comando da Secretaria de Segurança a despeito de aliados e de ministros do STF terem-no alertado sobre a inconveniência da escolha para o cargo, em um momento de ruptura nacional, um homem forte de Bolsonaro. Havia receio quanto ao aparelhamento de forças de segurança e inércia diante de investidas de extremistas. A preocupação, como ficou provado, não era desarrazoada.

Avisado pela própria equipe sobre as caravanas bolsonaristas rumo a Brasília, Torres deu de ombros. Acompanhou o quebra-quebra em Brasília, neste domingo (8), dos Estados Unidos, onde curte férias com a família — o país tem sido o refúgio do capitão, que se recusou a transmitir a faixa presidencial a Lula. Depois de circularem imagens sobre a baixa resistência da PMDF a manifestantes e da ocupação dos agentes com a compra de água de coco e filmagens dos criminosos, em vez da prisão dos arruaceiros, Ibaneis exonerou o aliado do posto, em uma tentativa de salvar a própria pele.

A Polícia Militar diz que atua na prisão dos delinquentes. Até agora, no entanto, não divulgou um balanço. Limitou-se a publicar uma nota vazia. “A PMDF já se encontrava com reforço de policiamento em virtude do período de fim de ano e das posses federal e local. Com as manifestações de hoje o reforço de policiamento foi direcionado para região central e todo efetivo da PMDF foi acionado para garantir a incolumidade das pessoas e do patrimônio”, diz o texto. A complacência com o golpismo é latente.