Mesmo depois de ser afastada do cargo, a ex-presidente Dilma Rousseff continua acumulando derrotas e acusações pelos descalabros durante seu governo. Na última semana, o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou, por unanimidade, pela segunda vez consecutiva, as contas de sua gestão, agora referentes ao ano de 2015. O entendimento do TCU só reforça a decisão do Congresso que determinou o impeachment de Dilma Rousseff, em 31 de agosto. Para os ministros do tribunal, houve descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e essa má gestão foi responsável pela atual crise econômica que assola o País.

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EM PRIMEIRA MÃO: Na edição de outubro do ano passado, a IstoÉ antecipou que Dilma desrespeitou a lei também em 2015

O relatório do TCU identificou dez irregularidades nas contas da ex-presidente, dentre elas as mesmas que fundamentaram o seu afastamento pelo Congresso, como a publicação de decretos abrindo créditos suplementares para realizar novas despesas, atitude incompatível com a meta fiscal, que exigia corte de gastos. Os ministros também apontaram problemas no atraso de repasses ao Banco do Brasil para quitar despesas com o Plano Safra, o que configuraria operação de crédito. No início de 2015, o valor dessa dívida da União com o Banco do Brasil chegava a R$ 8,3 bilhões, uma evidência clara da manobra conhecida como “pedalada fiscal”, para maquiar as contas públicas.

No ano passado, o tribunal também rejeitou as contas de 2014, auge das manobras fiscais de seu governo com o objetivo de enganar a população e vencer a reeleição. Desta vez, o relator do processo foi o ministro José Múcio Monteiro, que era aliado próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e chegou a comandar um ministério na sua gestão. A relação com o petista, porém, não o impediu de ver a infinidade de irregularidades nas contas da afilhada política de Lula, que o próprio ministro classificou como “graves” em sua fala no tribunal.

 

“Constataram-se possíveis distorções e indícios de irregularidades graves na execução dos orçamentos e na gestão dos recursos públicos federais – envolvendo o endividamento público, os resultados fiscais, as alterações orçamentárias, a execução orçamentária da despesa, a limitação de empenho e movimentação financeira –, denotando o descumprimento de princípios e pressupostos essenciais”, escreveu o ministro José Múcio em seu relatório inicial. Ao opinar pela rejeição, Múcio argumentou: “Houve inobservância relevante aos princípios constitucionais e legais que regem a administração pública federal, às normas constitucionais, legais e regulamentares na execução dos orçamentos da União e nas demais operações realizadas com recursos públicos federais, conforme estabelece a lei orçamentária anual, razão pela qual as contas não estão em condições de serem aprovadas, recomendando-se a sua rejeição pelo Congresso Nacional”.

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Após a aprovação por unanimidade na última quarta-feira 5, o relatório do tribunal foi enviado no mesmo dia ao Congresso Nacional, que tem a atribuição de dar a palavra final pela aprovação ou rejeição das contas. Nesse caso, a decisão vai acabar sendo mais simbólica, porque a punição que o Congresso poderia determinar à ex-presidente caso confirmasse a rejeição seria justamente a abertura de processo para cassação do cargo, que já foi imposta à petista. Entretanto, há uma longa fila das prestações de contas dos anos anteriores para serem apreciadas pelos parlamentares. Dessa forma, não há previsão para que ocorra a votação do relatório sobre 2015.

Em um outro processo sobre as pedaladas fiscais, julgado no mesmo dia pelo TCU, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e o ex-secretário do Tesouro Nacional Arno Augustin foram condenados a multas de R$ 54 mil por responsabilidade nas manobras. Também não poderão trabalhar em cargos da administração pública federal durante cinco e oito anos, respectivamente. Cabe recurso da decisão.

As pedaladas ainda podem causar mais dor de cabeça à ex-presidente no futuro. Dilma e outros integrantes do alto escalão de sua equipe também estão sendo investigados por improbidade administrativa no Ministério Público Federal do DF por causa das manobras fiscais, como revelou com exclusividade a ISTOÉ no mês passado.

O TCU condenou também o ex-secretário do Tesouro,
Arno Augustin, inabilitando-o a cargos públicos por oito anos

O advogado de Dilma no TCU, Ricardo Lodi, atribuiu o resultado do julgamento a um “ambiente político”, citando o impeachment, e disse que a gestão fez um esforço em 2015 para melhorar o quadro fiscal. Não foi suficiente para convencer os nove ministros do tribunal que estavam presentes e consideraram graves as irregularidades praticadas pela gestão da petista.

Em 2015, ao rejeitar as contas da presidente referentes ao ano de 2014, o TCU quebrou uma tradição no tribunal de encaminhar ao Congresso pareceres aprovando, com ou sem ressalvas, as contas de um presidente da República. Nos últimos 78 anos, o TCU sempre aprovou contas dos presidentes. A partir da rejeição das contas de Dilma referentes a 2014, os partidos de oposição a ela deram início ao processo que sustentou a tese de que ela havia dado “pedaladas fiscais” em 2014, repetidas em 2015. Com isso, deu-se início à movimentação no Congresso que levou ao impeachment. Assim, se ela não tivesse sido cassada em 31 de agosto, seus opositores teriam agora novos argumentos para retomarem o pedido de afastamento. Se tivesse escapado antes, certamente não passaria incólume agora.

Se Dilma tivesse se livrado do impeachment em agosto, não
escaparia agora por causa da nova rejeição das contas pelo TCU

POR QUE DILMA FOI CONDENADA

O ministro-relator Augusto Nardes explicou que as principais distorções detectadas somam R$ 106 bilhões

Para o TCU, além das pedaladas, em montante de R$ 40 bilhões, o governo descumpriu, indevidamente, a obrigação de contingenciar R$ 28 bilhões em despesas em 2014.


Em ano eleitoral, o governo editou créditos suplementares sem autorização do Congresso, o que, opinou o relator, demonstrou o “desprestígio” do Planalto pelo Legislativo.

No caso das pedaladas, operações de crédito ocultas entre o governo e os bancos “distorceram a realidade fiscal”, segundo o TCU. A responsabilidade de Dilma nessas irregularidades é direta e ficou demonstrada recentemente, quando ela editou decreto autônomo para corrigir as manobras, indicando que essa tarefa era dela.

O QUE PESOU CONTRA MANTEGA

TCU entendeu que o então ministro da Fazenda teve responsabilidade nas manobras que levaram aos atrasos nos repasses aos bancos públicos, contribuindo para o descalabro nas contas do governo

Para o ministro José Múcio, Mantega foi um dos principais responsáveis pelas operações de crédito. “As transações não constituem simples atrasos financeiros, e seus efeitos não são meramente uma questão contábil. Pelo contrário, as dificuldades enfrentadas pelo governo federal em 2015 para o pagamento das dívidas relacionadas aos empréstimos mostram que elas são de carne e osso e podem causar impacto nas finanças federais e no desempenho econômico do país”.

O tribunal decidiu inabilitá-lo para cargos e funções públicas, bem como o ex-secretário do Tesouro Nacional Arno Augustin. Mantega ficará inabilitado por cinco anos. Augustin, oito anos.

O ex-ministro terá de pagar multa de R$ 54 mil

Fotos: Pedro Ladeira/Folhapress


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