22/02/2019 - 9:30
No final de janeiro, 12 mil toneladas de rejeitos de mineração desceram como um tsunami a Serra do Rola-Moça, em Brumadinho, Minas Gerais, destruindo tudo o que havia pela frente. Um mês depois, a busca por corpos ainda persiste. Até a quarta-feira 20, foram confirmadas 171 mortos. A cidade vive a síndrome do caixão vazio, um luto prolongado por causa das 139 pessoas que ainda estão desaparecidas. Diante de um luto sem fim, a cidade morre a cada dia um pouco mais. A dor se cristaliza e toma a forma de incerteza e abandono. A imagem que melhor simboliza esse sentimento é uma foto feita na quinta-feira 14, em audiência na Câmara dos Deputados. Nela, registra-se o momento em que os participantes da mesa e o público levantam-se para fazer um minuto de silêncio em homenagem às vítimas, a pedido de Victor Hugo Fronner Bicca, diretor-geral da Agência Nacional de Mineração. Fabio Schvartsman, presidente da mineradora Vale — dona da barragem que estourou em Brumadinho e responsável por negligenciar relatórios técnicos que apontavam sua fragilidade — baixou a cabeça, mas permaneceu sentado.
“A Vale nos trata como cachorros. Sempre fui pobre, mas não precisava mendigar um pedaço de carne. Só recebemos uma cesta básica” Paloma Prates da Cunha, sobrevivente
A postura do chefe da empresa confirma a indiferença e a arrogância demonstrada pela cúpula da Vale diante da tragédia humana. Fontes da empresa afirmaram à ISTOÉ que, quando as ações da empresa subiram 9%, no final de janeiro, depois de uma queda abrupta, a cúpula celebrou avidamente a valorização, ignorando diante das cifras a destruição de centenas de famílias. Detalhe: isso aconteceu a menos de cinco dias da inundação de lama em Brumadinho que, nunca é demais lembrar, matou funcionários da própria Vale.
Sentado, assim ficou o presidente da empresa. E é exatamente nessa posição que a Vale deixa as vítimas de sua barragem, enquanto esperam por seus direitos. Que o diga a faxineira Paloma Prates da Cunha, de 22 anos, que estava em sua casa na comunidade de Córrego de Feijão, a mais atingida, quando aconteceu a enxurrada de rejeitos. Paloma tentou se agarrar à irmã e ao marido, mas a enxurrada arrastou a todos. Os dois desapareceram. A jovem ficou com o corpo preso a uma tora de madeira e foi arrastada por pelo menos cinco quilômetros. Paloma foi com a mãe ao centro que a mineradora mantém em Brumadinho para receber as vítimas, na segunda-feira 18, para reivindicar seus direitos. Diz ela: “Vim aqui para reclamar que a Vale nos trata como cachorros. Sempre fui pobre, mas não precisava mendigar um pedaço de carne. Desde que fomos hospedados na cidade, só recebemos uma cesta básica.”
A resposta da Vale para reparar o mal causado a Brumadinho é lenta quando confrontada com a força econômica da empresa. Até a quinta-feira 20, 26 dias após o rompimento da barragem na mina Córrego do Feijão, a empresa realizou 264 doações no valor de R$ 100 mil a familiares de mortos e desaparecidos e doações de R$ 50 mil a 55 pessoas que residiam na Zona de Autossalvamento da Barragem I. Esses números se tornam migalhas perto do salário de Fabio Schvartsman, estimado pelo mercado em R$ 50 milhões ao ano.
Na quarta-feira 20, a empresa prometeu, em conversa com o Ministério Público de Minas Gerais, pagar R$ 1 mil por mês a cada adulto morador da região, além de 50% de um salário mínimo para adolescentes e 25% para crianças, pelo período mínimo de um ano. “Se as vítimas de Brumadinho não colocarem as promessas no papel, nada virá”, disse à ISTOÉ Duarte Junior (PPS), prefeito de Mariana, cidade que há três viveu o maior desastre ambiental do País, com 19 mortos, com o rompimento de uma barragem de rejeitos da Samarco, empresa da qual a Vale é sócia. A Fundação Renova, criada para reparar o impacto do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, é conhecida pela mesquinharia. Entre suas estratégias está a de trocar periodicamente seus representantes, uma técnica de negociação que faz com que o outro lado da mesa esteja sempre em posição de desvantagem, tendo de começar as conversas constantemente do zero.
Oito funcionários da Vale, entre gerentes e integrantes de equipes técnicas, estão presos sob acusação de “conluio” para ocultar informações sobre os riscos da barragem de Brumadinho. O MP mira agora na cúpula da empresa. Na Câmara dos Deputados, Schvartsman afirmou que “a Vale é uma joia brasileira” que “não pode ser condenada”. Errado. Nenhuma joia vale mais do que uma vida.
Colaborou André Vargas