Dos religiosos que integram a mais alta hierarquia católica do Brasil ao mais humilde dos devotos, todos terão muito o que comemorar no mês que vem, ao longo do Sínodo da Amazônia, na Itália. Motivo: o papa Francisco irá canonizar, no Vaticano, a primeira mulher brasileira. Tornar-se-á santa, assim, a baiana Maria Rita de Souza Brito Lopes. Por esse aristocrático nome, certamente ninguém a conhece. Mas é ela a popular Irmã Dulce (1914-1992) que dedicou toda a sua vida, desde a juventude, aos pobres de pão e água e aos doentes do corpo ou da alma. Já nessa semana, no Brasil, começa a desembarcar nas livrarias uma das melhores e mais completas de suas biografias. Trata-se do livro “Irmã Dulce, a Santa dos Pobres” (editora Planeta), de autoria do escritor e jornalista Graciliano Rocha – a obra é fruto de quase uma década de pesquisas realizadas pelo autor em Salvador, onde ela nasceu e viveu a maior parte de seus 78 anos, e também de estudos e busca de documentação na Itália, França e EUA. Destaca-se no livro, sobretudo, o método seguido por Irmã Dulce, que sem o menor constrangimento pedia ajuda financeira para as suas obras sociais aos poderosos da política no País. Ao longo da jornada, deles foi se tornando confidente e amiga.

O livro “Irmã Dulce, a Santa dos Pobres” é fruto de quase uma década de pesquisas realizadas na Bahia, França, EUA e Vaticano

Madre Teresa de Calcutá percorria feiras implorando por alimentos. Certa vez um feirante escarrou em sua mão esquerda estendida. Ela a fechou e a colocou no bolso do hábito. Na sequência estendeu a mão direita e disse: “o catarro é para mim; agora me dê uma fruta para um pobre”. Irmã Dulce era mais direta, contundente, engraçada até. Quando o então presidente João Figueiredo visitou Salvador, chorou ao se deparar com as condições precárias do Hospital Santo Antônio, no qual Dulce acolhia necessitados. Figueiredo declarou que iria ajudá-la. O tempo passou, e nada de ajuda, até que, em 1982, ela novamente esteve com Figueiredo e cobrou-lhe, olhos nos olhos, a promessa. O ex-presidente brincou, dizendo que iria assaltar um banco para auxiliá-la. Dulce respondeu: “assaltar banco, é só avisar que vou junto”. Foi risada e mais risada, mas o certo é que Figueiredo destinou-lhe, por meio do Ministério do Planejamento, cerca de R$ 4,5 milhões (no dinheiro da época esse montante correspondia a 50 milhões de cruzeiros).

No campo da política, seus principais amigos e benfeitores foram, no entanto, o ex-governador e ex-ministro Antocio Carlos Magalhães e os ex-presidentes Eurico Gaspar Dutra e José Sarney. De Sarney ela possuía o número do telefone privativo de emergência, o chamado telefone vermelho, instalado no gabinete presidencial. Nem é preciso falar que Irmã Dulce dele se socorreu inúmeras vezes. “Sou indigno de fazer outra coisa, senão lhe beijar os pés”, disse-lhe Sarney quando era senador. Dulce jamais se apertava, até furtar ela furtava, e deixava bilhetes avisando sobre o furto, como fez com um comerciante, dono de uma loja de material de construção. Ela afanou uma furadeira da qual precisava.

“Muito obrigado, Irmã Dulce, por seus dois milagres: matar a fome de alguém e permitir a volta do filho pródigo” Paulo Coelho, escritor

Fato bastante significativo e pouco conhecido, apresentado no livro agora lançado, envolveu Irmã Dulce e o escritor Paulo Coelho, um dos mais traduzidos em todo o mundo. Internado pelo pai em clínicas psiquiátricas no Rio de Janeiro, por três vezes e compulsoriamente, o hoje consagrado autor foi submetido à eletroconvulsoterapia. Era 1964, Paulo tinha 17 anos. Conseguiu fugir da clínica e ir ao encontro de Dulce, em Salvador. Narrou-lhe toda a sua história, percebendo ter nela uma atenta e aplicada ouvinte. Ele precisava de uma passagem de ônibus para voltar a sua cidade, pois estava sem dinheiro. Ela escreveu em um pedaço de papel e assinou: “vale um bilhete de viagem”. Quando Paulo o apresentou ao motorista, bastou a ele ver a assinatura de Dulce e imediatamente permitiu o embarque. Assim era o respeito que todos, ricos e pobres, poderosos e fracos, nutriam pela Irmã. Respeito que agora se eternizará com a admissão dos milagres a ela atribuídos e o reconhecimento de sua santidade.

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