Eles estavam lá (nem poderia ser diferente), gritavam xingamentos, como “cachorros”, “vagabundos”, para se referirem aos ministros do Supremo. Repetiam, como jogral, as tonitruantes imprecações do capitão. Bolsonaro, em pessoa, já havia engatilhado a língua dias antes. E afiou o tom. Insinuou que os tempos de tortura e repressão à base de cassetete e botina poderiam voltar. Ele sonha sofregamente com isso. “A história pode se repetir”, bradou, no seu grito improvisado de independência, por temer (já disse) a própria prisão. Caixões com fotos dos opositores eram carregados nas ruas pelos convertidos para mostrar o grau de radicalismo que almejam chegar. O Brasil, no Bicentenário da Independência, foi transformado numa trincheira de guerra, com bunkers de militares, tanques, canhões, caminhões, navios de combate e jatos rasgando os céus com o intuito de intimidar. Era para ser uma comemoração da data cívica e naturalmente festiva. Converteu-se no palco das tramoias golpistas do capitão. Com o Judiciário isolado, alvo dos ovos podres de um protesto tacanho, e com o Congresso ausente, paralisado, diante do sobranceiro atrevimento, o País teve de assistir a um espetáculo de afrontas. Como bem disse o jurista e ex-presidente da Suprema Corte Ayres Britto foi um carnaval de violações à Carta Magna. “Nossa Constituição resultou estapeada”, avaliou. E a trôco do quê? O mandatário, desesperado com a desaprovação e inércia nas pesquisas, arquiteta um tudo ou nada desestabilizador. Foi normalizada, como rotina, as cenas pornográficas de um presidente pregando contra instituições, amarrotando os princípios democráticos mais elementares. No palanque, de onde proferiu um discurso deveras constrangedor, berrando ser “imbrochável” – tal qual seu antecessor, Fernando Collor, deposto do cargo, o fez –, mostrava o retrato do isolamento construído. Nenhum outro chefe de poder resolveu estar ao seu lado naquele momento, como era praxe em ocasiões do Sete de Setembro. Os presidentes do Senado, da Câmara, do STF desembarcaram da pantomima. Ao lado do Messias “mito” apenas alguns poucos militares subordinados. O presidente pediu voto – “nos encontramos no dia da vitória” –, crime eleitoral. Sua mulher, Michelle Bolsonaro, tratou de reforçar o conceito salvacionista de um ungido pela religião. Crime constitucional, assolando o fundamento da laicidade do Estado. O mesmo Bolsonaro que exige dos demais poderes “jogar nas quatro linhas” da Lei é o primeiro a perpassa-las, transgredindo o perfeito ordenamento jurídico, agindo rumo às infrações de responsabilidade. De cunho deliberadamente fascista, os eventos do último Sete de Setembro não marcaram um divisor de águas nas eleições, como pretendeu o candidato do Planalto, mas demonstraram que, se não for pela via eleitoral, os asseclas e adoradores do “mito” estarão mesmo dispostos a utilizar a violência extrema, na base dos fins que justificam os meios.

A cartada da intimidação bélica e do ajuntamento de fanáticos, com ares de marcha pela vitória, ainda será devidamente apurada nas próximas pesquisas. Bem provável que não represente qualquer variação expressiva nos números, dada à sinalização de muitos votos já estarem definidos para um lado ou o outro (79% manifestaram nas pesquisas plena convicção e irreversibilidade sobre a escolha que farão). Daqui para frente, apenas ardis apelativos parecem restar de munição. Alguns PMs apoiadores falam em “cacete e tiro”, numa luta do bem contra o mal — narrativa que encontra eco nos crentes de carteirinha. Não notam como fazem papel ridículo, algo bem anacrônico. Ultrapassado o extremismo que professam. Estão, de todo modo, postas as condições para que viceje nesse ambiente situações fora de controle. Os ânimos ficaram exaltados. As provocações, também.

A pregação do choque de forças ganha espaço. O pior no atual contexto é deixar o Brasil inteiro refém de atos beligerantes que não condizem com a sua natureza. O ostensivo abuso do líder reacionário hoje no comando engole a sensatez da maioria. Bolsonaro cultiva o sectarismo, na velha fórmula do dividir para governar, sugerida por Maquiavel. O mundo fica em alerta e estupefato diante de tamanhas demonstrações de desestabilização. E quem perde? Os mesmos de sempre. Com o País transformado em pária, engolfado pelos radicais e pela instabilidade sociopolítica – e, por que não dizer, também econômica –, resta torcer por uma transição que nos livre do regime de exceção trágico. Enquanto isso, o clã do chefe da Nação vai convocando armamentistas, aliciando militantes fichados pela PF e constituindo o próprio exército de milicianos para o combate final. Aquele que, para eles, não se esgota nas urnas. Mas na porrada, no tiro e na violência.