Os nomes de alguns governantes ficarão colados para sempre à história da pandemia — e, de fato, é bom que não sejam esquecidos pelo tanto que atrapalharam a comunidade científica na luta contra o vírus, pelo tanto que confundiram com mentiras a população, pelo tanto que se mostraram cruéis, em suas declarações, diante da dor de familiares de mortos.

É em situações limites que se mede a abrangência da empatia de uma pessoa. Falaremos, então, de dois presidentes cujo diâmetro desse sentimento é zero. Encetemos pelo mandatário do Brasil, Jair Bolsonaro. Em uma retrospecta visão de 2020, podemos colocá-lo em três planos: subversão, mentira e crueldade.

Em plena curva de subida de transmissão da doença, bolsonaristas fizeram manifestações contra os poderes Legislativo e Judiciário. O auge desses atos, que contaram com a presença de Bolsonaro, deu-se em 19 de abril, diante do quartel general do Exército, em Brasília. As palavras de ordem: fechamento do Congresso e do STF, a volta da ditadura militar e do AI-5. Tudo em total afronta subversiva à Constituição.

É como noticiar um jogo de futebol e não dar o resultado. O governo federal anunciou
no dia 16 de dezembro um plano de vacinação, mas não decidiu a data do seu início

DOSE DUPLA Contaminado, Boris Johnson passou a cuidar do Reino Unido, que aplicou a primeira vacina: o descaso de Donald Trump (abaixo) custou-lhe a reeleição (Crédito: Lucy Young)

Nos planos da mentira e da crueldade vemos Bolsonaro propagandeando, em desobediência à comunidade científica internacional, o emprego da medicação cloroquina. Confundiu com isso a população e atrasou campanhas verdadeiras de profilaxia, assim como atrasou o máximo possível as providências para trazer vacinas e insumos ao Brasil. Demitiu o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitiu também o segundo titular da pasta, Nelson Teich, porque se recusavam a elogiar a cloroquina. Depois de mais de dois meses sem ministro, assumiu a pasta o general Eduardo Pazuello, que obedece o chefe e ideologizou o vírus. Quando contraiu Covid, disse Bolsonaro que se tratou com cloroquina. Ninguém viu. O máximo que se sabe é que ele abobalhadamente oferecia a medicação a emas no Palácio da Alvorada. Quanto à crueldade, basta lembrar que o presidente proferiu, quando indagado sobre as mortes, frases do tipo: “todo mundo tem de morrer um dia”; “e daí? Sou Messias mas não posso fazer milagre”.

Também nos EUA só se viram sandices. O presidente Donald Trump, a quem Bolsonaro gosta de copiar, tornou-se o maior opositor da ciência. As principais formas de conter o vírus foram rechaçadas e, de forma inacreditável, além de defender a cloroquina, o presidente aconselhou a população a injetar diariamente desinfetante nas veias. Distorceu informaçãoes, apostou na confusão, a tal ponto que, no dia 9 de dezembro, três mil pessoas morreram no país — número superior ao de mortos nos ataques terroristas às Torres Gêmeas. Bem antes disso, em 29 de maio, cortou a verba dos EUA à OMS. E inventou a lorota de que ela estava “a serviço da China comunista”. Tudo isso o levou à derrota nas eleições presidenciais.

MANDEL NGAN

Na Inglaterra, um primeiro-ministro não menos tresloucado seguia pela mesma linha: Boris Johnson. Decidiu que iria adotar o método de “imunização de rebanho”: cerca de 60% da população se infectaria, com isso o vírus naturalmente iria perdendo força. Pois bem, Johnson acabou fazendo parte desse rebanho, contraiu Covid, foi para UTI. Recuperou-se e se tornou outra pessoa em cuidados pessoais e cuidados com todo o Reino Unido. Foi o próprio Reino Unido a primeira nação a aplicar a primeira vacina.

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