O escritor e cartunista gaúcho Luis Fernando Verissimo produziu tanto que os leitores e os críticos perderam a conta de seus livros. Aos 82 anos e 62 de carreira, nem ele recorda quantos. O fato é que lançou 86 volumes, entre contos, quadrinhos, crônicas, romances e poesia. A discrição e a repulsa à glória o fizeram evitar a Academia Brasileira de Letras. Mesmo assim, os leitores o devoram como o maior mestre em atividade de um gênero que de pequeno possui só o tamanho: a crônica. Dois volumes de textos curtos saem pela Companhia das Letras: “Ironias do Tempo”, organizado por Isabel e Adriana Falcão, e “Informe do Planeta Azul e Outras Histórias”. Mesmo avesso a entrevistas, ele concedeu esta à ISTOÉ, por e-mail. Nela, desvenda o segredo de seu estilo, influências e inquietações diante de um Brasil incógnito que se aproxima. Tudo isso sem renunciar à ironia.

Você deve estar satisfeito com “Ironias do Tempo”. Caso você produzisse a antologia, escolheria outras crônicas? Quais e por quê?
As meninas, Adriana e Isabel, fizeram um bom trabalho. A escolha era muito grande, e a seleção foi inteiramente delas.
De alguns textos eu nem me lembrava mais. Alguns talvez não merecessem estar no livro, mas não me ocorre nenhum que merecesse e não está.

Você se sente realizado como escritor?
Se sentir realizado soa um pouco como o que sentiria um morto antes de fecharem o caixão, quando ele não poderia realizar mais nada.“Realizado” aí seria sinônimo de encerrado.

Você é constantemente convidado a fazer parte da Academia Brasileira de Letras. Por que você não aceita o convite? É talvez por medo de se transformar em “imortal”?
Não foram tantos convites assim, só sugestões de amigos. De qualquer maneira, não consigo me imaginar de fardão. E duvido que fosse eleito.

Essa recusa sistemática faz lembrar seu pai. Ela é uma influência dele?
Meu pai não tinha nada contra a Academia, admirava e era amigo de vários acadêmicos, mas não gostava de nenhum tipo de solenidade ou solenização. Na última vez em que o convidaram a se candidatar à Academia Brasileira de Letras, disse: “Mas eu já sou quase uma vaga!” . É o meu caso.

Ainda sobre Erico Verissimo, de alguma forma você sente uma angústia da influência em relação a ele, algo do tipo “vou construir minha obra de forma totalmente diferente à de meu pai”? Ele exerceu alguma influência em você do ponto de vista do estilo narrativo? E do ponto de vista pessoal?
Eu não tinha a menor intenção de ser escritor, e comecei a escrever tarde, com 30 anos. Até então só tinha feito algumas traduções do inglês. Mas é claro que viver numa casa em que havia livros e o convívio com escritores me fizeram ser um leitor voraz e omnívoro desde garoto, começando com os livros do Tarzan. A influência do pai, neste caso, foi indireta. Se começar tarde se deve a alguma inibição pelo fato de ser filho de um escritor conhecido, não sei. Mas comecei meio por acidente, quando me convidaram para fazer um teste num jornal, onde fiz de tudo, até horóscopo, antes de me tornar cronista.

Como você explica seu estilo de escrever? Eu me preocupo em ser claro e não ser chato.Que livros você gostaria de escrever?
Que eu gostaria de ter escrito? “O Grande Gatsby”, do Fitzgerald. Qualquer um do Rubem Braga, do Paulo Mendes Campos ou do Antonio Maria. “Put out more Flags” do Evelyn Waugh. “A Grande Arte” do Rubem Fonseca. E mais uns dezessete.

Que livros você gostaria de ler e ainda não leu?
“A Montanha Mágica” do Thomas Mann.

Como você se sente sendo considerado um “cronista clássico” da literatura brasileira?
Se me consideram “clássico” eu devo estar fazendo alguma coisa errada.

“Na última vez em que convidaram meu pai a se candidatar à Academia Brasileira de Letras, disse: ‘Mas eu já sou quase uma vaga!’ É o meu caso”

INFLUÊNCIA Com o pai Erico Verissimo na rua da Praia, Porto Alegre, em novembro de 1957 (Crédito:Arquivo O Globo)

Como você analisa a crônica como gênero?
Os cronistas brasileiros parecem ter criado uma vertente própria de crônica, que não se encontra em outro lugar do mundo.

A crônica nacional é uma jaboticaba que merece ser exaltada?

Alguns dos melhores escritores brasileiros, como o Rubem Braga, o Paulo Mendes Campos e o Antonio Maria nunca fizeram outra coisa além de crônica, com exceção dos poemas do Paulo Mendes Campos. A crônica é um gênero menor só em tamanho.

Que cronistas te influenciaram, se é que houve isso?
Os cronistas, estes sim, clássicos, Rubem Braga, Paulo e Antonio Maria, e mais o Fernando Sabino.

Por que você parou de criar personagens — se é que parou — como o Analista de Bagé e a Velhinha de Taubaté?
O Analista se aposentou e vive na sua estância perto de Bagé, onde hoje só analisa vaca louca. A Velhinha desesperou do Brasil e resolveu morrer. A decisão foi deles, e não me meto na intimidade dos dois.

Se você não tivesse matado a Velhinha de Taubaté, o que ela diria de Jair Bolsonaro?
A Velhinha acreditava em todo o mundo, principalmente nos políticos, mas a reação dela quando soube do Bolsonaro foi: “Ai, ai, ai…”

E o Analista de Bagé, resistiria à caça às bruxas?
O Analista não se considera um dos “marginais vermelhos” que o Bolsonaro vai correr do Brasil, mas por via das dúvidas escondeu seu lenço colorado.

O que você acha do conceito de “marxismo cultural”, tão popularizado pelos ideólogos do bolsonarismo?
Acho que o que vem aí é “macartismo cultural”. Oremos.

Como você encara a situação do Brasil hoje?
O Brasil está com a respiração presa, esperando para ver o que vai dar a partir deste mês.

Qual a saída para o Brasil? O aeroporto?
O Uruguai. Mas acho que não vai caber todo o mundo.

Você continua a morar em Porto Alegre. Como você analisa a situação do Rio Grande do Sul, tanto econômica e político como cultural.

Tenho a impressão de que a nossa querência se tornou mais rústica…O Rio Grande está onde sempre esteve, só com menos dinheiro.

E como anda a música? Você continua a tocar saxofone?
O saxofone está aposentado por invalidez. Do saxofonista.

Como você vê a atual música popular brasileira? Gosta dos sertanejos, Anitta, Projota, Ferrugem?
Gosto de jazz e MPB com pitadas de Bach e do barroco italiano. Para o resto não presto muita atenção.

Como sobreviver no Brasil atual, sendo um crítico e um cidadão de esquerda?
Eu, de esquerda? Chamo o Olavo de Carvalho de tio!

Que conselhos úteis de estilo e ética você daria a um jovem escritor? E a um velho escritor, há algum conselho a dar?
Para velhos e novos escritores: não desaminem.

“Comecei meio por acidente, quando me convidaram para fazer um teste num jornal, onde fiz de tudo, até horóscopo, antes de me tornar cronista”

FAZ-TUDO Verissimo na redação do jornal Zero Hora em 1985 (Crédito:Folhapress)