VIOLETA Isabel Allende Ed. Bertrand Brasil
322 págs.
Preço: R$ 59

Isabel Allende havia escrito duas peças de teatro quando Salvador Allende, primo de seu pai, suicidou-se em meio ao bombardeio do Palácio de La Moneda – ele fora deposto da presidência do Chile por um golpe militar liderado pelo ditador Augusto Pinochet. Como seu sobrenome passou a ser quase uma maldição em seu país, ela se mudou com a família para Caracas, na Venezuela. Pouco depois, seu avô foi hospitalizado: impossibilitada de visitá-lo, começou a lhe escrever cartas, com lembranças da infância e relatos da vida no exterior. Era o ponto de partida para seu romance de estreia: A Casa dos Espíritos, saga inspirada pelo realismo fantástico de Gabriel García Márquez que tornou-se um dos livros mais vendidos da América Latina – mais tarde foi adaptado às telas com astros de Hollywood.

Cartas familiares também são o ponto de partida para Violeta, seu novo romance. Aqui, em vez da jovem que escreve ao avô, é a avó que redige um relato ao neto: “Camilo querido: A intenção dessas páginas é deixar-te um testemunho, pois creio que em futuro distante, quando estiveres velho e pensares em mim, tua memória falhará, porque sempre andas distraído, e esse defeito se acentua com a idade”, explica a protagonista. A narrativa de Violeta começa em 1920 e se estende ao longo de um século. Começa com uma descrição sobre a gripe espanhola, e os detalhes impressionam pelas semelhanças com a pandemia causada pelo coronavírus. Mais do que uma referência factual, a escolha por iniciar o romance dessa maneira passa ao leitor a impressão de que a vida anda em ciclos e os episódios familiares e históricos se misturam e se repetem, indefinidamente. O conceito não é novidade, faz parte essencial do estilo de Isabel Allende e está presente também em obras como De Amor e Sombra (1984) e Paula (1995).

Embora se passe em um país latino-americano, Violeta não faz referência ao Chile. Isabel prefere usar como cenário um país fictício, embora também sofra com ditaduras e problemas econômicos. Ou seja: poderia ser praticamente qualquer nação da América Latina. A inexistência de um lugar específico poderia alienar o leitor, mas o talento da autora para construir a trama provoca uma sensação inversa e permite que qualquer sulamericano se identifique com os dramas dos personagens. Principalmente os femininos, porque Isabel sempre conta histórias do ponto de vista das mulheres. Ela defende que as versões oficiais são sempre influenciadas pelos homens, por isso são as vozes das narradoras que lhe interessam. Na vida real, no entanto, a autora tem boa expectativa em relação a um personagem masculino que surgiu recentemente em seu país: “Boric me dá esperança no futuro do Chile”, afirmou. Gabriel Boric, candidato de esquerda que acaba de vencer as eleições presidenciais, enterra de vez o fantasma de Pinochet e reabilita o sobrenome “Allende” – não apenas na literatura, mas também na política.