A decisão de Bolsonaro em conceder reajuste salarial apenas aos policiais federais no fim do ano passado desencadeou uma verdadeira rebelião de outras categorias do funcionalismo público que protestam por aumento. Revoltados, sindicatos que representam funcionários da Receita Federal e do Banco Central resolveram, nos últimos dias, engrossar uma paralisação marcada para o dia 18, assim como uma greve geral prevista para fevereiro. A tendência é que a lista de insurgentes aumente e vire mais um fator de desgaste para o presidente, que vai disputar a reeleição com a popularidade em queda livre.

NAS FRONTEIRAS Policiais em Viracopos: enquanto a PF recebe aumento, auditores da Receita fazem operação-padrão (Crédito:Divulgação)

O aumento às forças de segurança foi uma imposição de Bolsonaro contra a vontade do ministro da Economia. Paulo Guedes diz que a União não tem dinheiro para custear reajuste salarial para todos os funcionários. “Se aumentarmos os salários e a doença (Covid) voltar, quebramos!”, alertou o ministro. “Temos que ficar firmes. Sem isso, é Brumadinho: pequenos vazamentos sucessivos até explodir a barragem e morrerem todos na lama.” O aviso não comoveu Bolsonaro e foi ignorado pelos servidores. Algumas categorias já iniciaram operações-padrão. Auditores da Receita Federal atrasaram a liberação de cargas de trigo no Porto de Santos. Em Roraima, centenas de caminhões ficaram paralisados na fronteira, segundo o governador.

Jair Bolsonaro arrasta o País para mais uma crise fabricada por ele mesmo

De fato, a União não tem condições de arcar com essa conta. O Orçamento de 2022 reserva ao Executivo apenas
R$ 1,7 bilhão para a concessão de reajuste — valor insuficiente até mesmo para cobrir os R$ 2,8 bilhões necessários para bancar somente a reposição salarial dos policiais. Guedes tem avisado Bolsonaro de que só conseguiria abrir espaço no Orçamento para financiar os reajustes se o governo conseguisse aprovar a reforma administrativa. É apenas um truque retórico. Não há chance de o Congresso fazer essa mudança em pleno ano eleitoral. Além disso, o próprio presidente sabotou essa iniciativa desde o início da gestão.

“Ao dar esse aumento aos policiais, o governo meteu a mão na cumbuca. Não tem espaço para aumento salarial. Não sabemos de onde está pensando em tirar esse dinheiro. Isso gera expectativa em todas as categorias e, sobretudo, aumenta o risco de haver paralisações perigosas não só para o governo mas para o Brasil”, criticou o deputado federal Arthur Maia (DEM), que foi relator da proposta da reforma administrativa paralisada na Câmara.

Bola de neve

Para pressionar o Planalto, categorias passaram a entregar cargos de chefia em órgãos federais. Foi, por exemplo, a decisão tomada pelo Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal). O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) estima que mais de 1.200 funcionários já abriram mão de seus cargos de chefia. “Cortes injustificáveis no orçamento da Receita, ausência de reposição dos quadros, descumprimento do acordo salarial, pressões para nomeações injustificadas e concessões de privilégios aviltam nosso cargo e nossa instituição”, diz, em tom de ameaça, uma nota divulgada pelo Sindifisco. “Não permitiremos a destruição da Receita Federal, nem a desvalorização do nosso cargo.” O processo é capitaneado pelo Fórum Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), representante de 30 categorias. Se receber apoio do Fórum das Entidades dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe), o que é provável, a mobilização virará uma bola de neve. Juntos, os dois fóruns representam 80% do funcionalismo, composto por 585 mil servidores ativos.

“Dar reajuste só para uns e não para outros é algo bastante complicado, porque gera assimetrias na máquina pública. Ter servidores de um concurso com salário melhor que outros estimula que alguns órgãos percam bons profissionais para órgãos do próprio Executivo. Essa autofagia não é boa para ninguém”, afirmou o presidente do Sinal, Fábio Faiad à ISTOÉ. A cúpula da entidade tenta agendar uma reunião com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, desde novembro passado, mas nunca foi atendida. “Sabemos que ele é próximo a Bolsonaro. Tudo o que os funcionários do banco querem é a reposição da inflação.

Eles não aceitam ser preteridos”, diz. Outras categorias ameaçam se juntar ao movimento, como funcionários da Controladoria-Geral da União (CGU), diplomatas, servidores da Saúde, da Previdência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), peritos médicos e auditores agropecuários. Toda a trajetória política de Bolsonaro foi dedicada à defesa de pautas corporativistas e pelos privilégios a categorias que o apóiam. Defendeu, por exemplo, greves de caminhoneiros e motins de policiais de forma irresponsável. Agora, o mandatário pode arrastar o País para mais uma crise fabricada por ele mesmo.