“Os protestos são insuflados por manipuladores de emoções nas redes sociais” Miguel Díaz-Canel, presidente (Crédito:Governo de Cuba/Divulgação)

Após anos de silêncio, os cubanos saíram às ruas para protestar contra o regime comunista. Poucas vezes ocorreram reações desse porte desde que a ditadura foi implantada, em 1959. A ilha foi sacudida a partir de 11 de julho por levantes na capital Havana e em outras 40 cidades. Em parte, as manifestações se parecem com outras da América Latina, lideradas por jovens. A diferença está na ferocidade do governo, que reprimiu os manifestantes com bastante violência: mais de 170 pessoas foram detidas até o dia 14, inclusive jornalistas, e muita gente levou surras aplicadas por guardas armados com cassetetes. As imagens da violência rodaram o mundo e foram exibidas no site Cubanet, da oposição em Miami (EUA). Os protestos foram maiores que em 1994, quando Cuba foi assolada por uma grande fome após o colapso da União Soviética. Naquela ocasião, refugiados fugiram em massa utilizando barcos. Já a revolta atual foi potencializada pela situação calamitosa da economia cubana, que caiu 11% em 2020 e deve retrair mais 3% em 2021.

A pandemia da Covid-19 paralisou o turismo, um dos poucos setores dinâmicos da economia, que funciona como um ímã para atrair dólares e euros. Com as viagens interrompidas já no 1º trimestre de 2020, secou a principal fonte de renda para milhões de cubanos, que vivem desse segmento e dos poucos negócios privados permitidos pelo governo na ilha: restaurantes, bares e serviços de táxi. O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, que sucedeu Raul Castro este ano, acusou os Estados Unidos de incitarem as manifestações. As alegações não têm fundamento, e são usadas há décadas como cortina de fumaça para justificar o atraso econômico causado pelo regime anacrônico que impede a competição e o desenvolvimento. Mas chamaram a atenção para a posição ambígua do governo americano, que ainda não retirou as sanções adicionais impostas pelo ex-presidente Donald Trump, em 2018. O republicano reverteu uma abertura histórica proposta pelo ex-presidente Barack Obama. Trump tomou as medidas para atrair o apoio do voto conservador cubano-americano no Estado da Flórida. Elas não enfraqueceram a ditadura, mas penalizaram a população ao cortar as viagens de americanos e restringir as remessas de dinheiro feitas por parentes.

Mudança geracional

“Não há nada que indique que Biden retirará as sanções de Trump. Ele não prometeu isso na campanha. Embora Trump seja um personagem radicalmente anti-Cuba, Biden vem de uma tradição ideológica que também aumentou as sanções à ilha em outros governos, como o de Bill Clinton”, diz Joana Salém Vasconcelos, doutora em história econômica pela USP. A exceção foi justamente Obama, que reabriu a embaixada dos EUA em Havana e permitiu o turismo de americanos. Além das sanções de Trump, Cuba ainda sofre com o embargo americano de 1962, um resquício da Guerra Fria que na opinião de especialistas é contraproducente.

REPRESSÃO A polícia detém manifestante em Centro Havana, perto do Congresso cubano, no dia 11 (Crédito:YAMIL LAGE)

Analistas consideram que o regime cubano, que tem um grande aparato de repressão e possui um serviço de espionagem enraizado entre a população, tem condições de superar esta onda de protestos. Para confirmar essa tese, a ditadura cortou a internet e impediu o acesso a aplicativos de mensagens como o WhatsApp. Por outro lado, para muitos jovens cubanos o apelo ao consumo e às mudanças é bastante forte. É uma geração que nasceu após o colapso soviético em 1991 e, por isso, não viveu a prosperidade artificial de quando Moscou bancava o regime. Conhece os aspectos positivos do capitalismo por meio das redes sociais. A nova geração associa a ideia da liberdade com a de consumo. Para os jovens, em grande medida, o mundo comunista revolucionário não faz sentido. Além disso, os laços afetivos da época da Revolução Cubana estão desaparecendo entre os exilados na Flórida e os seus parentes que ficaram na ilha. O passar das décadas só evidenciou o óbvio: a necessidade de uma abertura política e econômica.