A  palavra “menstruação” ainda causa desconforto em muitos falsos moralistas, mas o jogo está virando e traz para a mesa de discussão algo que acontece naturalmente todos os meses com pessoas em idade reprodutiva. Ensinadas por suas mães e avós que o sangue menstrual era algo sujo, que deveria ser escondido a todo custo, o ato de menstruar levou – e infelizmente ainda leva – diversas meninas e jovens a situação de constrangimento. Isso piora – e muito – quando falamos em famílias que simplesmente não têm condições de comprar absorventes, desconhecem como funciona o ciclo menstrual e estão fora do alcance da rede de saneamento básico. Tal condição faz com que muitas adolescentes e jovens faltem à escola, ao trabalho ou ainda se sujeitem a situações precárias para conter o fluxo, utilizando miolo de pão, espuma de colchão e pedaços de jornais.

Enquanto não há uma decisão definitiva para o problema por parte do governo federal, tem sido importante o engajamento de jovens por todo o País, não só no esforço das doações, mas também pela criação de organizações não governamentais estruturadas como empresas, repletas de funcionários “millennials”. O “Projeto Aqueles Dias” é um exemplo dessa movimentação da sociedade. Criado no início de 2020 pela estudante de Cinema Mariana Valente, de 20 anos, o projeto fazia parte de uma conferência da Organização das Nações Unidas, na Universidade de Harvard. Em março daquele ano, porém, o mundo entrou em lockdown e tudo parou.

UMA BOA IDEIA A fundadora da ONG “Aqueles Dias”, Mariana Valente, pretende investir em absorventes sustentáveis no futuro (Crédito:Divulgação)

Quase tudo. Mariana decidiu montar sua própria ONG para ajudar, inicialmente, uma comunidade na cidade de São Paulo. “Minha motivação sempre foi trabalhar com a educação sobre o tema, além da distribuição dos absorventes, claro”, diz ela. Hoje, “Aqueles dias” possui uma equipe de cerca de 30 pessoas, incluindo a irmã mais nova de Mariana, Isabela Valente, que aos 18 anos é responsável pelas redes sociais do projeto. “Trabalhar com a irmã mais velha é incrível e ao mesmo tempo complicado”, diz Isabela. As duas estão sempre em reuniões marcadas pelo computador onde decidem o planejamento mensal: conteúdo que será gerado para a publicação e visitas à comunidade. As irmãs não tratam a atividade como hobby ou moda passageira. “Meu plano para o futuro? Investir em sustentabilidade, como em calcinhas absorventes e coletores menstruais”, diz Mariana.

O caso delas não é único, iniciativas como “Fluxo sem Tabu”, “Absorvendo o fluxo”, “Absorventes do bem”, “Ciclo solidário”, “Absorvendo amor” e “Girl Up” estão espalhadas por todo o Brasil. Há ainda instituições que, ao doarem alimentos, também incluem os absorventes nas cestas básicas. Para participar, basta procurar por esses projetos na internet: todos possuem em comum uma forte presença em redes como o TikTok, Instagram, Twitter, fora os sites oficiais.

INICIATIVA A Cacau Show, de Alexandre Costa, pretende criar 3 mil pontos para distribuir absorventes (Crédito:Marcus Leoni)

Ação empresarial

Diversas empresas privadas têm os suas próprias ações sociais ligadas ao tema. Marcas de absorventes, produtos de limpeza, redes de supermercados e até uma empresa de chocolates têm atuação própria. A Cacau Show, por exemplo, maior produtora de chocolates finos do País, definiu metas ambiciosas. O presidente da empresa, Alexandre Costa, planeja destinar 3 mil pontos de venda de sua rede para a logística de distribuição de absorventes. Ele trabalha também para mobilizar empreendedores com o objetivo de construir uma fábrica de absorventes. Um grupo de empresários ouvidos por ISTOÉ discute também a possibilidade de um fundo de investimento de R$ 50 milhões anuais a serem usados em causas sociais como essa.

CONTRIBUIÇÃO Moradora do Morro do Piolho, na Zona Sul de São Paulo: ajuda da ONG “Aqueles dias” (Crédito:Divulgação)

E a história não para por aí: estados e prefeituras decidiram criar leis ou destinar recursos para a compra e distribuição do protetor menstrual. Em Pernambuco, o governo passou a doar absorventes no final do ano passado. As prefeituras de Olinda e Recife, no entanto, já possuíam programas municipais de doações. Santa Catarina aprovou no final de 2021 uma lei estadual para a distribuição de materiais de higiene e os produtos começam a ser doados agora. Em São Paulo houve a criação de um programa com investimento de R$ 30 milhões para amparar 1,3 milhão de estudantes entre 10 e 18 anos, com prioridade para quem está em situação de vulnerabilidade social e econômica. A pobreza menstrual, vale ressaltar, atinge 900 mil mulheres que menstruam no País, segundo pesquisa realizada pela Unicef. O relatório diz que “a situação de meninas sem acesso a nenhum banheiro exclusivo não é menos alarmante”. São 713 mil jovens (4,61% do total) sem banheiros em seus domicílios e 88,7% delas, mais de 632 mil, vivem sem sequer um banheiro no terreno ou propriedade”. Ou seja, toda a ajuda é necessária.