A responsabilidade dos influenciadores por trás das redes sociais

A responsabilidade dos influenciadores por trás das redes sociais

"ParaSem fiscalização adequada, criadores de conteúdo lucram promovendo propostas de emprego suspeitas, rifas e bets. Mas eles não atuam em terra sem lei, frisam especialistas.Um anúncio de emprego tentador no exterior, com remuneração em dólar, custeio de passagem e despesas, e até aulas de russo. A proposta, divulgada recentemente nas redes sociais por influencers brasileiras, mas sem informações claras sobre o trabalho em questão, logo foi questionada por internautas que desconfiaram de tráfico humano.

A ação de recrutamento, descobriu-se mais tarde, partiu de uma empresa russa sem CNPJ registrado no Brasil: a Alabuga Start, que tem recrutado jovens mulheres estrangeiras para atuar em fábricas de drones frequentemente usados para bombardear a Ucrânia.

O episódio é o mais recente de uma série de outros envolvendo a divulgação de produtos, serviços e ofertas duvidosas por influencers brasileiros, como apostas ou rifas online, além de conteúdos monetizados problemáticos, como os que exploram e expõem crianças e adolescentes.

"Hoje o influenciador virou um canal de confiança com o público, e isso acaba sendo justamente o que os golpistas exploram", destaca Luana Kava, doutora em Gestão da Informação e coordenadora do curso de Marketing da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). "O problema é que, ao emprestar sua imagem, os influenciadores dão credibilidade a esquemas que operam à margem da lei."

No caso da empresa russa, os conteúdos foram removidos pelas plataformas e muitas influencers que divulgaram a ação vieram a público se desculpar dizendo que não sabiam do que se tratava e que, em alguns trabalhos, apenas fazem a publicidade conforme o combinado, sem interferir na administração nem na operação do negócio.

Afinal, qual é a responsabilidade de quem influencia milhões de pessoas nas redes sociais?

O poder da influência

Diferentemente de outros setores, o mercado de influência digital ainda é pouco regulado e fiscalizado no Brasil. Não há uma instância capaz de avaliar riscos, coibir abusos e responsabilizar quem lucra às custas de seus seguidores.

"Existem os que sabem exatamente o que estão fazendo. Eles entendem que essas parcerias são uma forma rápida de enriquecimento e usam conscientemente essas estratégias a seu favor", afirma Kava.

As frases "Jogue com responsabilidade" ou "Acabei de fazer X reais em dez minutos" tornaram-se comuns em perfis de influenciadores que promovem apostas esportivas, as chamadas bets. Muitos deles recorrem a contas de demonstração, usadas para simular ganhos e criar uma sensação de sucesso fácil, induzindo seguidores a acreditarem que terão o mesmo retorno.

No Brasil, as bets são regulamentadas por lei, mas ainda há plataformas divulgadas por influenciadores que não têm autorização do governo para operar.

Um estudo da consultoria LCA em parceria com o Instituto Brasileiro do Jogo Responsável divulgado em junho deste ano dá uma dimensão do problema: o Brasil perde até R$ 10,8 bilhões por ano em arrecadação devido a jogos ilegais. Sete em cada dez apostadores admitem não conseguir verificar todos os detalhes das plataformas que utilizam, e oito em cada dez dizem ter dificuldade para distinguir entre sites legalizados e irregulares.

Segundo o perito digital Cleórbete Santos, professor de computação da Universidade Mackenzie, o problema começa na origem das campanhas. "Essas bets oferecem quantias vultosas aos influenciadores para divulgarem seus serviços. Muitas vezes, os anúncios manipulam o público quanto às chances reais de ganho", explica. Ele acrescenta que, em alguns casos, os influenciadores recebem comissões sobre as perdas dos apostadores, o que cria um incentivo ainda maior. "Eles lucram com o prejuízo das pessoas."

Nem mesmo quem ganha está protegido: "Muitos apostadores não conseguem sacar o dinheiro acumulado, pois essas empresas estão sediadas em paraísos fiscais e não são regulamentadas no Brasil, o que dificulta investigações e ações judiciais."

A lógica da ilusão nas redes também se repete em rifas online promovidas por influenciadores, que prometem carros de luxo, apartamentos, grandes quantias em dinheiro e outras "ostentações". "Algumas dessas rifas são manipuladas, com prêmios entregues a laranjas ou simplesmente não entregues aos supostos vencedores", pontua Santos.

Para a especialista em comunicação digital e publicitária Bárbara Torres, criadores de conteúdo precisam ser responsabilizados diante de propagandas enganosas. "Não dá mais para alegar desconhecimento. Quando um influenciador divulga algo, ele endossa aquela ação e se torna parte das consequências. Muitos se tornam cúmplices de práticas que levam pessoas ao endividamento e a problemas sociais graves", afirma. Ela defende que agências e marcas criem cláusulas contratuais de responsabilização, a fim de coibir a divulgação de conteúdos ilegais ou enganosos.

Torres também aponta a adultização como um desdobramento preocupante da atuação irresponsável de influenciadores nas redes sociais. "Crianças estão aprendendo a performar antes de aprender a pensar. Elas absorvem a lógica dos números e da visibilidade como forma de aprovação, sem maturidade emocional para entender o peso disso", diz. Para a especialista, a exposição precoce e a mistura entre vida pessoal e conteúdo publicitário criam uma geração que "cresce sem distinguir o que é público do que é íntimo, o que é publicidade do que é verdade".

Como um influenciador responsável deve atuar

A pressão por engajamento e visualizações faz com que campanhas aparentemente inofensivas possam ter consequências negativas e até graves para internautas.

Por isso, Kava defende que o próprio influenciador tem o dever de checar a empresa antes de fechar qualquer publicidade. Palavras como "urgente" ou "exclusivo" podem indicar "armadilhas", especialmente em campanhas de alto risco.

O recomendado, segundo ela, é confirmar CNPJ, verificar a existência de eventuais autorizações legais necessárias – especialmente no caso das bets – e estabelecer contratos claros que definam responsabilidades. É importante ainda pesquisar a reputação da empresa em sites de avaliação, como o Reclame Aqui, e verificar se há endereço e canais de atendimento válidos. Segundo Santos, empresas "fantasmas" ou sediadas fora do país dificultam qualquer investigação ou ação judicial.

O cuidado não deve se limitar ao que é informado pelo contratante. É recomendável observar outros influenciadores que já trabalharam com a marca, analisar como se posicionam nas redes sociais e como respondem às interações do público.

Conteúdos que induzam ao prejuízo ou à ilegalidade, segundo a professora da PUC-PR, são passíveis de punição segundo o Código Penal e o Marco Civil da Internet. "Quando o influenciador lucra com algo ilegal, ou age com descuido, ele pode ser responsabilizado. A desculpa de 'não sabia' já não se sustenta", afirma.

Quem fiscaliza?

A popularização dos influenciadores digitais expôs a necessidade de regras claras sobre publicidade nas redes sociais. Para orientar a prática, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) publicou em dezembro de 2020 o Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais, que estabelece que todo conteúdo publicitário deve ser identificado de forma explícita, com hashtags ou termos como #publicidade, #publi, #parceriapaga, garantindo transparência sobre produtos e serviços. A regra, contudo, não é seguida à risca por muitos influenciadores brasileiros.

A entidade lançou ainda, em dezembro de 2023, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária Anexo "X" Apostas, no qual detalha princípios específicos para bets, como a necessidade de apresentar informações verdadeiras sobre riscos e resultados, alertas sobre perdas financeiras e psicológicas e restrições claras à audiência de menores de 18 anos. Influenciadores que divulgam conteúdo de aposta devem garantir que a maior parte de seus seguidores seja adulta, evitando expor crianças e adolescentes. Também é exigida a indicação de idade mínima (18+) e ferramentas de seleção etária nos perfis das marcas.

Outras orientações do Conar incluem a proibição de prometer ganhos certos, de induzir comportamento irresponsável e de apresentar crianças ou adolescentes em campanhas publicitárias voltadas para apostas. O documento ainda destaca que a publicidade de terceiros em redes sociais deve se adequar às mesmas regras, reforçando que a responsabilidade não se limita apenas à marca contratante, mas também recai sobre quem divulga o conteúdo.

A DW procurou o Conar para saber como a entidade age em casos de violação das regras e se já atuou para derrubar conteúdos de influencers, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

A entidade da sociedade civil é mantida pelo próprio mercado publicitário e, embora tenha o dever de zelar pela ética no setor e possa recomendar a alteração ou suspensão de peças publicitiárias, não tem poder de polícia nem de impor sanções legais, como multas.

"Por isso é indispensável a atuação de outros órgãos de fiscalização, como Procon, Secretaria Nacional do Consumidor e Ministério Público", pontua Santos.

Em alguns casos, outros órgãos públicos podem ser acionados, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) nos casos de produtos como medicamentos, alimentos e cosméticos.

Mas os especialistas ouvidos pela DW também ressaltam que os influenciadores precisam ter consciência de seu papel. "Muitos tratam o que fazem como algo pessoal e espontâneo, não necessariamente como prática profissional. Na internet, acabam colocando a ética em segundo plano. Um código formal ajuda, mas sem maturidade ética ele será apenas mais um documento", pontua Torres.

E o papel das plataformas?

A responsabilidade pelo conteúdo que circula nas redes não é só dos influenciadores e marcas, mas também das próprias plataformas, que podem derrubar conteúdo impróprio ou reduzir sua visibilidade, desmonetizá-lo e, em alguns casos, até suspender contas em caráter temporário ou permanente.

Santos, do Mackenzie, destaca a necessidade de leis mais específicas para reagir ao problema, e cita o PL 3.444/2023, da deputada Lídice da Mata (PSB-BA), que torna obrigatória a identificação de conteúdos publicitários e responsabiliza os influenciadores e as plataformas pela divulgação de informações falsas ou que induzam o consumidor a erro. A proposta tramita atualmente na Câmara dos Deputados.

Especialistas alertam que é fundamental criar mecanismos claros para que o público possa identificar, questionar e denunciar práticas irregulares. "É preciso desenvolver um olhar mais crítico sobre quem está falando e quem se beneficia. Políticas públicas poderiam começar com controle mais efetivo sobre os conteúdos das plataformas e regulamentação mais transparente sobre patrocínios e campanhas", argumenta Kava, da PUC-PR.

Para Santos, cabe ao poder público exigir das plataformas que tenham cuidado, sejam proativas na moderação de conteúdo e transparentes em relação aos algoritmos de recomendação. Segundo ele, é preciso que haja unidades policiais especializadas em crimes cibernéticos bem aparelhadas e capacitadas, capazes de lidar com crimes complexos, inclusive internacionais, em cooperação com outros países.

Além disso, ele também vê a educação digital como ferramenta essencial, abarcando desde campanhas de alfabetização midiática até a inclusão de conteúdos digitais na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Como denunciar crimes cometidos por influenciadores

Internautas que se depararem com conteúdos problemáticos nas redes podem denunciar diretamente em diferentes canais, dependendo da natureza do problema. Publicidades irregulares podem ser reportadas ao Conar, enquanto golpes, como rifas falsas, podem ser denunciados ao Procon ou pelo portal consumidor.gov.br.

Postagens que envolvam crimes, como estelionato, ameaça ou tráfico humano, devem ser comunicadas à Polícia Civil dos respectivos estados, presencialmente ou por delegacias virtuais.

A legislação brasileira define limites claros. Pelo Marco Civil da Internet, plataformas não são responsáveis pelo conteúdo de terceiros, exceto quando desobedecem ordem judicial. No entanto, todas possuem regras internas que proíbem fraudes, discurso de ódio e outros crimes, podendo agir de forma preventiva ou corretiva, segundo os especialistas.

Além do poder público e das plataformas, o Ministério Público e a Justiça têm papel importante na responsabilização. Podem iniciar investigações, emitir ordens de remoção de conteúdo, quebra de sigilo, busca e apreensão e bloqueio de bens, garantindo que influenciadores e empresas respondam por publicidades ou ações ilegais.