Depois de quase três semanas das eleições, o presidente Donald Trump finalmente autorizou o início dos trabalhos de transição do governo dos Estados Unidos. Mesmo sem reconhecer oficialmente sua derrota para o democrata Joe Biden, ele permitiu que a Administração de Serviços Gerais (GSA, na sigla em inglês) iniciasse os protocolos para a mudança de comando. No Twitter, o republicano teve até de defender a líder do órgão, Emily Murphy, que vinha sofrendo ameaças por ter iniciado o processo, alegando que o atraso poderia colocar em risco questões de segurança nacional, especialmente no que diz respeito ao combate à pandemia e a ações contra o terrorismo. Nos Estados Unidos, quando um novo presidente é eleito, o início da transição permite até a liberação de recursos, este ano no valor de US$ 9,9 milhões, para pagamento de salários e apoio administrativo aos novos funcionários, além do acesso a documentos sigilosos. Mas, como tudo que se refere a Trump, sempre há alguma polêmica. Ele ainda afirma que irá até a Suprema Corte questionar o resultado das eleições, apesar das certificações finais da vitória do democrata em vários estados.

Enquanto isso, Biden começa a escolher sua equipe e os investidores já vibraram com as primeiras convocações para o gabinete, especialmente com o anúncio do nome de Janet Yellen para a Secretaria do Tesouro. A ex-presidente do banco central norte-americano, o Federal Reserve (Fed), dispensada por Trump, assumirá agora um dos cargos mais fundamentais para a recuperação da crise econômica no pós-pandemia. Outro convite comemorado foi de Antony Blinken para o comando da Secretaria de Estado, depois de ter sido o vice da pasta durante o governo de Barack Obama. Para a Secretaria de Segurança Interna, Biden inovou ao chamar Alejandro Mayorkas, um cubano que se tornará o primeiro imigrante latino a ser responsável por imigração e terrorismo interno entre outros assuntos de segurança. Formado pela Universidade de Berkeley, Mayorkas tem 30 anos de carreira jurídica no setor privado.
A diversidade parece dar o tom do novo gabinete. Para assumir o posto de Embaixadora dos EUA na ONU, foi chamada Linda Thomas-Greenfield. Com 35 anos de experiência na diplomacia, será a primeira mulher negra no cargo. Outra pioneira será Avril Haines, ex-assessora de segurança durante o governo Obama. Ela será a primeira mulher a liderar a Inteligência Nacional norte-americana. Bacharel em física pela Universidade de Chicago e em Direito pela Universidade Georgetown, Haines também foi a primeira mulher a comandar a CIA, de 2013 a 2015. Biden trouxe de volta ainda John Kerry, ex-secretário de Estado de Obama, que assume como enviado especial para questões climáticas com a espinhosa missão de retomar o Acordo de Paris, assinado por ele em 2015 e abandonado por Trump.

Biden está montando uma equipe marcada pela diversidade e competência, o que vem agradando investidores em todos os mercados do mundo

“Biden está trazendo gente de alto nível, o que tem agradado ao mercado, e tem sido muito esperto na inclusão de minorias para montar um governo representativo”, afirma o pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da FGV-RJ, Leonardo Paz. Segundo o especialista, depois de um governo isolacionista como o de Trump, o novo presidente agora vai precisar de todos os reforços possíveis para recolher os cacos deixados pela gestão anterior. No cenário internacional, os problemas terão de esperar um pouco, de acordo com Paz. Isso porque as dificuldades internas nos EUA são muito grandes, já que o país superou a marca de 260 mil mortos por Covid-19, ficando numa liderança macabra que deve aprofundar ainda mais a crise econômica. “Ele terá muita coisa pra arrumar dentro de casa e só depois ele poderá pensar nas questões internacionais”, diz. Mas há questões que não poderão esperar muito, entre elas a complexa relação com a China e com o Irã.

A conhecida habilidade de negociação de Biden deve ser testada ao limite, especialmente se os democratas não obtiverem a maioria no Congresso. Internacionalmente a expectativa é de que Biden consiga costurar acordos melhores do que Trump. Entretanto, não se pode achar que ele será tão ousado quanto Obama nas suas iniciativas. “Até porque ele é da velha guarda e mais conservador do que Obama”, explica o cientista político André Lajst, diretor executivo do instituto internacional StandWithUs Brasil (SWU). Segundo Lajst, o novo presidente dos EUA deve se concentrar agora na recuperação de acordos deixados para trás por Trump, como o do clima de Paris, com a Otan, China e Irã. A parceria com Israel deve continuar e até avançar, p rincipalmente se houver entendimento dos israelenses com os países árabes, que pode até levar a uma estabilidade maior no Oriente Médio. “Os EUA são os principais mediadores dos conflitos na região e devem continuar sendo”, diz Lajst.