Deve ser para inglês ver. Tipo peça de ficção. O mandatário não cogita a Reforma da Previdência. Não a quer. Não mostra o mais escasso interesse no assunto. Melhor seria que virasse enredo de alguma produção hollywoodiana, da série “Missão Impossível”. Assim, talvez, quem sabe, despertaria alguma atenção do capitão reformado, que iria continuar assistindo ao espetáculo, aboletado no sofá, de camiseta pirata, chinelo Rider, bermudão de lycra e pote de pipoca com sal. Típico dele. Enquanto isso não acontece, o chefe da Nação prefere se distrair com os celuloides esotéricos da telona, ao lado da digníssima esposa. Não foi por menos que, em pleno debate acirrado sobre fazer andar ou não o projeto na Câmara dos Deputados, Bolsonaro, o erudito, optou por deleitar-se com mais uma estreia, em sessão matinal prive no meio da semana. Cancelou todos os compromissos da agenda da manhã da terça-feira 26 — afinal, nenhum deles iria mudar nada mesmo da balbúrdia criada pelo próprio; eram questiúnculas chatas que só geram dor de cabeça — e partiu à sessão matinê exclusiva. Seja sincero: quem em circunstâncias análogas, do alto do poder do Planalto, iria escolher trabalhar? Deixa isso para os técnicos. Alguns mais afoitos lançaram-se a tripudiar da decisão e fizeram um comentário tão satírico como impagável que dizia: “Matou a reforma e foi ao cinema”, homônimo da produção que já virou clássico, ganhou público cativo e salas de exibição em todo o País. A claque de fanáticos apoiadores considerou o paralelo injusto. Decerto, Bolsonaro é mais esperto. No escurinho da sessão do longa-metragem, cujo título sugestivo “Superação, o milagre da fé” revelava mais de sua inapetência para questões terrenas do dia a dia, Bolsonaro quis deixar às claras o propósito da escolha. Era, naturalmente, mais que um programa de lazer familiar. O mandatário tentou com a decisão de um cineminha em dia de expediente mostrar, de uma vez por todas, qual o grau de prioridade e ênfase depositado por ele no assunto que no momento mais galvaniza as atenções e interesses dos brasileiros. Para Bolsonaro, a questão da Previdência é um fardo e é por isso que ele não firmará qualquer compromisso maior em levá-la adiante. Até porque sua base eleitoral também não deseja que parta dele a iniciativa. O pior é que o presidente foi eleito com tal missão. Algo específico, essencial. Não se esperava nada mais dele além desse efetivo passo de mudança para reorganizar as finanças públicas. Frustração absoluta. No meio Legislativo ficou evidente que Bolsonaro não irá mover uma palha ou esforço para fazer valer a proposta do czar da economia, Paulo Guedes. Maia e Guedes que se entendam entre eles. Sem maiores ingerências de cima. Simples assim. O melhor é cada brasileiro ir se acostumando com a ideia. Por mais estapafúrdia e tresloucada que ela possa parecer. O que se diz intramuros do Planalto é que Bolsonaro não pretende arcar com o ônus de uma decisão que, embora necessária, é tremendamente impopular. Transferiu a responsabilidade — como se assim pudesse — para o Congresso. Teme antes de tudo a crítica veemente que começou a sentir nas redes sociais, vindas de seus simpatizantes tuiteiros, a camarilha organizada e ultraconservadora de cegos apoiadores mais afeitos à pauta de costumes e que demonstra horror à perda de privilégios. Nesse sentido e indo ao encontro dos anseios da patota, Bolsonaro já atendeu, por exemplo, em boa medida, as reivindicações dos militares. Deixou inclusive nas mãos deles, por meio do Ministério da Defesa, o papel de decidir o texto final sobre qual a proposta mais adequada de aposentadoria da tropa e como as medidas deveriam ser compensadas para atender às demandas da categoria. Imagine só! Nesse tocante vale a fábula da raposa cuidando do galinheiro. Ao contrário dos demais mortais, sujeitos a restrições implacáveis impostas pelo Ministério da Fazenda, os militares obtiveram tratamento à parte, preferencial e levaram de lambuja compensações paralelas. Pode isso, Arnaldo? No amplo e complexo xadrez da Reforma da Previdência, tantas vezes falada e, em inúmeras oportunidades, adiada, o presidente Bolsonaro de fato adota uma postura mais, digamos, equidistante. Nunca, jamais, em tempo algum, simpatizou com a ideia. Passou sua longa vida política demonstrando cabalmente que torce o nariz a ajustes desse tipo. Como representante do baixo clero parlamentar atuou fortemente para descartá-la e adiá-la o quanto pôde. Não seria agora que iria mudar. Ele e seus sabujos aproveitadores iniciaram uma incessante campanha para incutir a culpa da medida nas mãos do Congresso e, em especial, de Rodrigo Maia. É de uma desfaçatez tremenda a inconsequência do chefe da Nação. Ele parece não ter a menor noção da gravidade da crise. Resultado desse cabo de força: nos últimos dias, o governo paralisou. Está empacado. Sem chances de fazer avançar qualquer projeto, diante da previsível resistência dos parlamentares, que vêm respondendo de maneira corporativista aos ataques sofridos. Das sete medidas provisórias, seis projetos de lei e uma emenda de proposta constitucional que Bolsonaro enviou ao Parlamento nesses primeiros três meses de governo, nada teve andamento. A derrota foi acachapante em diversas MPs. A insatisfação reina nos mais variados setores e instituições que servem de argamassa da democracia nativa. O presidente teve a capacidade de brigar com o Congresso, a Justiça, a mídia e, não fosse suficiente, se desentender até com os militares que já não enxergam com bons olhos a sua administração. Analistas começaram a discutir se, nessa toada, ele termina o mandato. Mal se passaram três meses e o caos parece instalado. O mercado trabalha até com a hipótese de a máquina federal sofrer um “shutdown” (paralisação) devido às contas públicas desarranjadas. Somente a vontade de Deus não bastará para mudar o estado de crise.