Os governadores se articulam para defender o pacto federativo e se contrapor à vontade autoritária e às manobras diversionistas do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos. O último impulso para perturbar a delicada relação entre estados e União veio com a morte do miliciano Adriano da Nóbrega, em Esplanada, na Bahia, que deixou forte suspeita de execução. Enquanto tenta de se desvencilhar de sua longa amizade com Nóbrega, Bolsonaro afirmou que o governador baiano, Rui Costa (PT), “mantém fortíssimos laços com bandidos” e que foi “a PM da Bahia, do PT, que matou o miliciano”. Em uma carta divulgada na segunda-feira 17, e assinada por 20 governadores, criticou-se a postura de confronto do presidente e sua intenção de se antecipar às “investigações policiais para atribuir graves fatos à conduta da polícia e seus governadores”. Os signatários afirmaram que as declarações de Bolsonaro “não contribuem para a evolução da democracia no Brasil”.
O crime, que ganha conotações cada vez mais macabras, com a indefinição sobre o destino do cadáver de Adriano e a divulgação pelo filho 01 do presidente Flávio Bolsonaro (sem partido/RJ) de um vídeo da autópsia num corpo que seria do miliciano, ainda está longe de um esclarecimento. Rui Costa criticou a postura de Flávio e disse que o vídeo é falso. “Aquilo não é nem do IML da Bahia, nem do IML do Rio”, afirmou. A iniciativa de fazer a carta com críticas a Bolsonaro partiu dos governadores Wilson Witzel, do Rio, e João Doria, de São Paulo, mas contou também com a assinatura de governantes que apóiam o presidente, como Carlos Moisés, de Santa Catarina, eleito pelo PSL. Em 2018, quando foi eleito, Bolsonaro contava com o apoio explícito de 15 dos 27 governadores. Essa base de apoio, porém, está se desfazendo a olhos vistos.

Falta de diálogo

Ao longo da semana, Doria, durante um encontro com Witzel e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, cobrou um estreitamento do diálogo com Bolsonaro, a quem acusou de só fazer ataques e se manifestar pelo Whatsapp para governar. “O presidente deve dialogar, deve propor o diálogo com os governadores”, disse Doria. “Nós não entendemos o governo partidarizado, com ideologias ou com princípios que não respeitam a democracia como um todo”. Numa tentativa de pacificação da relação, Bolsonaro foi convidado a participar do próximo encontro do Fórum dos Governadores, dia 14 de abril.

Os problemas entre Bolsonaro e os governadores estão se acumulando e ganharam contornos de crise. No início do mês, o presidente, no contexto da reforma tributária, desafiou os governadores a zerarem o ICMS dos combustíveis, numa atitude oportunista e precipitada. Sem que houvesse qualquer discussão aprofundada, Bolsonaro declarou que zeraria o imposto federal sobre os combustíveis se os governadores fizessem o mesmo com o ICMS, principal fonte de receita para os estados. “Está feito o desafio aqui agora. Eu zero o federal hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito”, propôs com ar de bravata. Outro golpe contra a vontade política dos estados apareceu na semana seguinte, quando o presidente descartou a representação dos governos estaduais no recém-criado Conselho da Amazônia, comandado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão.

Apesar da elevação da tensão política, a união dos governadores representa um sopro de vitalidade da democracia. Enquanto Bolsonaro não toma qualquer medida que seja de fato benéfica para toda a população, fala muito e fica minando as bases institucionais na educação, na saúde, na cultura e na polícia, os governadores reivindicam um maior debate sobre políticas públicas. “Equilíbrio, sensatez e diálogo para entendimentos na pauta de interesse do povo é o que a sociedade espera de nós”, disseram os governantes estaduais na carta. Com a oposição esfacelada e sem forças para enfrentar o governo, a defesa do pacto federativo talvez seja a melhor saída para preservar a autonomia dos estados e enfrentar a sanha autoritária e a incontinência verbal do presidente.