Desde o início da década de 2000, as modelos da marca de lingerie Victoria’s Secret eram referência de sensualidade e de padrão de beleza para a mulher americana e, consequentemente, para a brasileira. Porém, esses ícones do comportamento perderam seu lugar. Este ano, pela primeira vez, não acontecerá o tradicional desfile das “angels” da marca. O evento tinha repercussão mundial: mulheres altas e magras surgiam vestindo asas e sutiãs cravejados com joias, transformando-se instantaneamente em “sex symbols” globais.

REVISÃO A moda agora exalta corpos diversos e naturais, numa vitória do feminismo (Crédito:Divulgação)

O que era considerado um dos maiores acontecimentos do ano na moda, responsável por turbinar a carreira das modelos que dele participavam, hoje perdeu seu sentido. O cancelamento do desfile significa uma mudança de paradigma do papel feminino na sociedade. Do ponto de vista comercial, revela a dificuldade da marca em administrar crises e acompanhar os novos tempos. “Estamos descobrindo como avançar com o posicionamento da marca e nos comunicar melhor com os clientes”, disse Stuart Burgdoerfer, diretor financeiro da L Brands, a holding bilionária que detém a grife, sobre a não realização do evento.

Femininsmo

São diversos os fatores que contribuíram para a queda dessa que já foi uma das marcas mais fortes no mundo. Um dos principais é a sua demora da marca em rever a sua régua para definir o que é uma mulher bonita e sensual e que, portanto, merece estampar o seu material publicitário. Enquanto a Victoria’s Secret mantém em suas campanhas apenas mulheres magérrimas, revistas, jornais, redes sociais e marcas ligadas à beleza já as selecionam há anos com diferentes formatos de corpo em suas campanhas — vitória de campanhas feministas, entre elas a #MeToo. O novo padrão envolve os mais variados tipos estéticos. Empresas como Dove, por exemplo, foram pioneiras em enfatizar a importância da beleza natural. Além disso, há uma tendência de mulheres postarem em seus perfis no Instagram fotos de biquíni independentemente de seu padrão, conquistando milhares de seguidores e, portanto, mostrando que todos devem ter o seu espaço.

Para se ter ideia do tamanho da mudança cultural, o evento da Victoria’s Secret começou a ser televisionado em 1995 e logo ganhou projeção. Em 2001, atingiu o recorde de audiência, com 12,4 milhões de telespectadores. Com as transformações sociais, sua audiência foi caindo ano a ano. Em 2017, os números despencaram para 4,98 milhões de espectadores e, no ano seguinte, mais ainda: havia apenas 3,27 milhões de pessoas na audiência. Se nas telinhas o número de interessados caiu, não foi diferente nas vendas no varejo. No ano passado, elas caíram 40%. Além disso, 2018 foi um ano com um grande número de fechamento de lojas: 30 delas encerraram suas atividades, bem acima da média de 15 fechamentos que ocorriam anualmente. No início de 2019, a empresa anunciou um enxugamento ainda maior: 53 pontos eliminados na América do Norte. Mesmo com a aposta de reduzir o preço para atrair consumidores, estima-se que as vendas vão crescer apenas 1% anualmente nos próximos cinco anos, de acordo com a consultoria Ibisworld.

“Estamos descobrindo como avançarcom o posicionamento da marca e nos comunicar melhor com os clientes” Stuart Burgdoerfer, diretor financeiro da L Brands (Crédito:Divulgação)

Escândalos

Como se não bastasse, somou-se ao ultrapassado marketing da marca a infeliz frase do seu diretor de marketing, Ed Razek, no ano passado. Em entrevista, ele disse que seria melhor não incluir transexuais no desfile. Depois da repercussão negativa, o executivo pediu desculpas publicamente e deixou a empresa. Para contornar a crise, a companhia incluiu uma transexual no time, a top model brasileira Valentina Sampaio. Mesmo assim, a grife não recuperou sua reputação. Para manchar ainda mais sua imagem, veio à tona ainda a antiga amizade de Leslie Wexner, o fundador da marca, com Jeffrey Epstein, bilionário americano que foi detido por inúmeras acusações de tráfico sexual e pedofilia — ele cometeu suicídio esse ano, na prisão. Para se ter ideia, Epstein chegou a ser empregado como assessor da grife. É o pacote perfeito para se abalar o grande império que um dia foi a Victoria’s Secret.