O ex-juiz Wilson Witzel (PSC) encerrou sua estada como governador do Rio de Janeiro de forma meteórica. Ele comandou o estado por menos de dois anos, após não ter sido o favorito nas eleições de 2018, mas surpreendeu vencendo Eduardo Paes (DEM) com 59,87% dos votos no segundo turno e apoio de Bolsonaro. Outsider, Witzel aproveitou o discurso bolsonarista e prometia não ser um político tradicional, além de combater a corrupção, que levou à investigação e à prisão vários governadores. Falhou no compromisso e não conseguiu uma base de sustentação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Com votos unânimes em todas as instâncias de decisão, ele sofreu processo de impedimento na sexta-feira, 30, pelo Tribunal Especial Misto (TEM). “Witzel foi abandonado e será muito difícil voltar a disputar um cargo eletivo”, afirmou o cientista político Ricardo Ismael. O fim prematuro do amador Witzel na política trouxe à cena o seu vice, Cláudio Castro (PSC), já empossado governador no último sábado, 1º.

Witzel nunca teve um cargo eletivo e começou num posto bem alto. Tão alto quanto o tombo que tomou. Já fora do governo, ele condena o processo que concluiu o seu afastamento em entrevista à ISTOÉ. “Não houve um tribunal imparcial, foi um massacre”, acusou. O ex-governador não foi capaz de ter aliados no parlamento, nenhum sequer. No entanto, atribuiu o fracasso à existência de “legendas de aluguel ou torcidas organizadas”. A cientista política Juliana Fratini discorda. Ela entende que a derrocada de Witzel aconteceu pela “vulnerabilidade do próprio governador, que não soube conquistar aliados”. Witzel também caiu numa armadilha que ele mesmo armou. Cometeu o erro de anunciar prematuramente que poderia disputar a próxima eleição presidencial contra Bolsonaro. Nada poderia ser mais ingênuo. Sem qualquer apoio, acabou transformando um aliado em inimigo mortal. Ele inclusive diz que “houve chantagem do governo federal, com ameaças como a não renovação do regime de recuperação fiscal e o vazamento de uma delação premiada contra mim”. O ex-governador afirma que o seu processo de impeachment foi a reprise do “golpe que tirou Dilma do poder”.

“É inédito um chefe do poder executivo não ter um único líder no parlamento. Ninguém detém todo o poder sozinho”
Waldeck Carneiro, relator do Tribunal Especial Misto

VOTAÇÃO Tribunal Misto afastou definitivamente o governador (Crédito:Marcia Foletto)

“Foi um linchamento moral e político”, disse Witzel. Mas ele respondeu a duas acusações. A primeira sobre a requalificação de uma Organização Social (OS) que havia sido desqualificada pelo próprio governo do Estado, com base em pareceres técnicos da Secretaria de Saúde e da Casa Civil. E a segunda tratou da contratação de outra OS sem licitação e em regime de urgência. O relator do processo de impeachment no TEM e deputado estadual, Waldeck Carneiro (PT), disse que a condenação do governador ocorreu porque Witzel decidiu por conta própria requalificar uma OS que apresentava “uma série de irregularidades”. E outra OS, que gerenciava hospitais de campanha, “que a rigor não chegou a funcionar”. O resultado foi um entendimento unânime (10 X 0) do TEM pelo impeachment. O TEM é um órgão especial formado com a participação de deputados e juízes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

ULTRADIREITA Governador Cláudio Castro é ainda mais alinhado a Bolsonaro (Crédito:Rafael Campos)

O processo passou pela Alerj, pelo TJ-RJ e finalmente pelo TEM. A principal prova contra o governador foi uma delação judicial. Witzel acusa o delator de ter sido “flagrado com R$ 10 milhões em dinheiro vivo”. Ele se refere ao ex-secretário de Saúde Edmar Santos. Advogado por formação, afirma que não há qualquer prova contra ele no “Tribunal de Contas do Estado ou outras provas periciais”. Witzel também alega que não há “nenhuma norma que obrigue um governante a construir os hospitais de campanha”. E ataca. “É bom lembrar que Bolsonaro abandonou os governadores e prejudicou a gestão da pandemia, como está sendo apurado agora pela CPI da Covid no Senado.” Ele está convicto de que o desfecho do seu caso está ligado “à polarização e ao fisiologismo” que o País enfrenta.
Nem tão amador assim, o novo governador Cláudio Castro é um velho conhecido dos bastidores da política carioca. Ele teve um curto mandato como vereador da Capital, mas atuou durante muitos anos como chefe de gabinete na Câmara de Vereadores e na Alerj. Ele sabe exatamente como se comporta o trâmite da classe política. Com ele a interlocução será melhor. Entretanto, Castro é ainda mais próximo de Bolsonaro e das políticas de extrema-direita. Infelizmente, ele pode representar dois passos atrás no falido Estado do Rio de Janeiro. A disputa pelo governo, provisoriamente, terminou. Witzel desistiu de recorrer no Supremo Tribunal Federal (STF). “Não vou recorrer. Vou cuidar da minha família.” Desejou boa sorte a Castro. O deputado Waldeck Carneiro disse que “é inédito um chefe do poder executivo não ter um único líder no parlamento” e que Witzel não compreendeu a força de um governador. “Ninguém detém todo o poder sozinho”, afirmou. Mais do que todos os imbróglios judiciais, a falta de traquejo político derrubou Witzel.

A versão dos fatos por Wilson Witzel

O julgamento foi imparcial?
Foi um massacre contra a democracia, com graves violações ao devido processo legal, ao amplo direito de defesa e contrariou a jurisprudência sobre o tema quanto às delações. As narrativas do delator Edmar Santos, e do réu confesso Edson Torres, foram fundamentos inidôneos para minha condenação. Infelizmente, usaram a mesma técnica de condenação que tanto se criticou no caso do ex-presidente Lula: delações e conjecturas sem materialidade.

O senhor foi vítima de um processo político injusto?
Evidente. Quatro ações penais em tão curto período de tempo e sem uma investigação mais aprofundada, fica claro o interesse de linchamento moral e político. Sou acusado de aceitar receber vantagens indevidas, haja vista que não foram encontrados comigo qualquer valor, além de salários. Afastou-se, e condenou-se, um governador por causa de uma decisão proferida em relação a uma OS, que não gerou qualquer prejuízo aos cofres públicos.

Qual foi a influência do presidente Bolsonaro no seu impeachment?
Evidente que houve chantagem de Bolsonaro com ameaças, como a não renovação do regime de recuperação fiscal e o vazamento de uma delação envolvendo desembargadores do Tribunal de Justiça. Por outro lado, o relator do processo no Tribunal Misto, deputado Waldeck, do PT, desrespeitou o processo e mudou os termos da acusação, que inicialmente era ação por omissão. Repetiu os mesmos argumentos do processo que tirou Dilma do poder. Essa decisão me impede de disputar eleições, inclusive a presidencial em 2022.

O senhor é inocente?
Fui o primeiro governador a combater a pandemia e mesmo assim o Tribunal Misto disse que fui omisso, contrariando jurisprudência que não permite a responsabilização de governantes por falhas de seus auxiliares. Sobre os hospitais de campanha, não há nenhuma norma que obrigue um governante a construir as unidades. É bom lembrar que o presidente abandonou os governadores e prejudicou a gestão da pandemia, como está sendo apurado agora na CPI da Covid no Senado.