INAUGURAÇÃO Imagem do aeroporto em 1936: tempos de glamour (Crédito:Arquivo Nacional)

Pobre em realizações, o governo Bolsonaro apostava em ganhar uma vitrine eleitoral com a próxima rodada de privatizações de aeroportos. Santos Dumont (RJ) e Congonhas (SP) são as joias da coroa do processo, que deveriam ser concluídos no segundo trimestre, sob a batuta do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, escolhido por Bolsonaro para concorrer ao governo de São Paulo. Mas as discussões deixaram o ambiente técnico dos reguladores e dos fundos de investimento e virararam um problema político, que pode atrapalharr o projeto de reeleição do presidente.

O processo desandou após a Anac aprovar o edital da rodada de concessões. Os políticos fluminenses criticaram o plano de ampliação do aeroporto, pois ele poderia canibalizar o Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão, que opera em um nível bem baixo desde o início da pandemia. Criticar a privatização virou uma forma de defender os interesses do Rio de Janeiro. No início, o Governo achou que o ruído passaria. Mas as críticas foram tantas que Flávio Bolsonaro (PL) saiu em defesa do modelo proposto nas redes sociais, contrariando aliados. O governador Cláudio Castro, também aliado de Bolsonaro, ameaçou entrar na Justiça. O governador considera o edital uma “ameaça ao desenvolvimento do estado”. A mesma posição tem o prefeito Eduardo Paes (PSD). “O governo está preocupado em resolver seus problemas de caixa fazendo uma lambança estrutural para o Rio”, disse à ISTOÉ.

A afirmação do prefeito tem uma amplitude que vai além do Santos Dumont. Na última semana, pareceres do Tesouro Nacional e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional rejeitaram a adesão do Estado do Rio de Janeiro ao regime de Recuperação Fiscal por mais três anos. No último dia 19, Castro foi a Brasília falar com o ministro Paulo Guedes, mas voltou de lá sem acordo.

MUDANÇA O prefeito Eduardo Paes é contra o modelo do governo federal (Crédito:Henry Romero)

O modelo previsto para Santos Dumont prevê outorga mínima de R$ 324 milhões e investimentos de R$ 1,3 bilhão para ampliar a capacidade de operações. A empresa que operar Santos Dumont também terá de administrar os aeroportos de Jacarepaguá (RJ) e Montes Claros, Uberlândia e Uberaba, em Minas Gerais. Este é outro ponto de discórdia. De acordo com os técnicos da prefeitura, Santos Dumont é um atrativo para aumentar o fluxo dos aeroportos mineiros, mas ele não ganha nada com isso. “Acompanhamos todos os passos desse edital, mas o governo federal insiste em um modelo que não trará bons frutos para os aeroportos do Rio de Janeiro”, diz Chicão Bulhões, secretário de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura. “Atrair investimento é maravilhoso, mas para isso precisamos de uma concessão bem desenhada.”

O edital amplia os voos no Santos Dumont, permitindo inclusive a operação de aeronaves grandes com destino internacional, apesar de a pista ser curta e o prédio, pequeno. Há limitações geográficas. Ele não pode ter a mesma vocação, por exemplo, do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. É fato que os passageiros, sempre que podem, dão preferência a embarcar e desembarcar no Santos Dumont, devido a sua localização central. O Galeão fica na Ilha do Governador, a 21 km da capital. “Além disso, tem muita gente que não gosta de descer no Galeão, por medo de passar pela Linha Vermelha. Se os voos internacionais também saírem do Santos Dumont, o Galeão vai quebrar”, critica Bulhões.

COMPETIÇÃO Galeão perde preferência dos viajantes: risco de quebra (Crédito:Chico Ferreira)

A proposta do governo fluminense é ter em Santos Dumont voos de ponte-aérea até o raio de 500 quilômetros e incluir Brasília. “A fórmula desejada é cumprir com o papel que Santos Dumont sempre teve, voos curtos, com limitações. Não podemos esquecer que o Galeão é um aeroporto fundamental para toda a economia da cidade e do estado”, diz Paes. A pressão surtiu efeito. No próprio dia 19 o Ministério da Infraestrutura instituiu um grupo de trabalho para rediscutir a concessão. Mas outros problemas surgiram. A Prefeitura se queixou que foi excluída do grupo. Outras concessionárias, como a do Aerporto de Guarulhos, pediram para serem incluídas no debate, pois consideram que uma eventual mudança pode favorecer os novos players no Rio, prejudicando os concorrentes. As bases do próprio modelo de concessões passaram a ser questionadas. Bolsonaro achou que a venda do Santos Dumont seria a cereja no bolo do seu programa “liberal” na economia. O eventual fracasso, ao contrário, pode atestar o seu fiasco.