A política tem praguejado a própria sorte. E nem poderia ser diferente. Diante de tamanha rejeição à sua prática, desacreditada que está, ela alcança novas eleições sem sequer um debate promissor no plano das ações e ideias que venham a compor um programa de governo minimamente aceitável. Se os políticos não cuidam de dar tratos à bola, o setor empresarial começa a se mover nessa direção. Reunidos em Pernambuco, dias atrás, por ocasião do 17º Fórum do Lide — ONG que reúne quase três mil das maiores empresas do País —, empreendedores, CEOs e financistas tomaram a política como mote para alinhavar propostas que esperam virar realidade. O ambiente era ideal. Ali estavam três presidenciáveis: Álvaro Dias, Flavio Rocha e Paulo Rabello de Castro. Todos ideologicamente alinhados ao centro, no qual o setor produtivo espera pescar o nome de consenso para ocupar o Planalto. As conversas de bastidores, os apoios ainda velados, as tratativas das eventuais doações de campanha e até acertos de chapa entre postulantes serviram de cardápio nos convescotes. A família Campos, do ex-governador do Estado e presidenciável falecido, Eduardo Campos, tratou ali de apoiar publicamente o nome do ex-ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, para a disputa. Renata e João Campos, viúva e filho, pilares da agremiação PSB, não fizeram qualquer objeção. Ao contrário: entendem que Barbosa pode defender as diretrizes da legenda e rogam por sua viabilização. Quem também endossa a possível chapa é o governador pernambucano, Paulo Câmara, que tentou desfazer entre os presentes a má impressão causada ao se aproximar do PT. “Estive com o ministro Joaquim em uma agenda privada. Ele me causou boa imagem, mas as conversas estão apenas começando”, diz Câmara. O clã dos Campos, considerado dos mais tradicionais e politizados da região desde os tempos de Miguel Arraes, está decerto dando as principais cartas nesse tabuleiro.

ALERTA Para o jurista Heleno Torres, não é hora de mexer na Constituição (Crédito:Gustavo Rampini)

Centro fracionado

Assim como o faz o emissário do presidente Temer ao evento, Carlos Marun, ministro-chefe da Secretaria de Governo. Marun tenta nos últimos tempos erguer uma ponte com tucanos para unificar as propostas em torno de uma candidatura de centro-direita forte e coesa. O MDB apoiaria o presidenciável do PSDB desde que esse defendesse o legado da atual gestão. Fracionada, sem nomes que se destacam e carente de uma aliança ampla, a esquadra centro-direita enxerga problemas lá na frente. As discussões no Fórum mostraram esse receio. Foi ruim o ex-governador e presidenciável pelo PSDB, Geraldo Alckmin, não ter participado do encontro. Sua ausência virou alvo de críticas já que ali estava um reduto importante de seu público-alvo. O ex-presidente do BNDES e também postulante Paulo Rabello de Castro aproveitou a ocasião para sugerir como plataforma vital a simplificação tributária via unificação de impostos. “O manicômio fiscal tem que ter fim. É uma insanidade seguir assim”. Seu adversário na corrida, o empresário Flávio Rocha, dono da Riachuelo, compartilha da mesma preocupação econômica e realçou que uma política desejável passa necessariamente pelo aumento da competitividade. “Serei o guardião da competitividade, que tem sido pisoteada pelos coturnos da burocracia”, afirmou.

Rocha se licenciou da empresa, colocou o bloco na rua e segue no que chama de cruzada pelo aumento do índice de eficiência e liberdade empresarial. Evidentemente, seus planos soam como música aos ouvidos dos filiados do Lide. No entender dessa turma, existe uma conspiração de forças contra quem empreende e produz por aqui. Só no plano das ações trabalhistas, são quase 3,7 milhões de processos em andamento hoje e tamanha litigância é movida pela “república sindicalista” que subverte a lógica das coisas e aparelha a carruagem estatal para frear o desenvolvimento.

Gustavo Rampini

O conflito entre quem produz e quem parasita em torno da máquina pública abre o fosso que separa a nação do saneamento nas contas. O custo do aparato do Estado saltou de 22% para 34% — e tende a se agravar, caso medidas estruturais não sejam tomadas. A maior delas, que perdeu a vez na pauta congressual e precisa ser recolocada: a Reforma da Previdência. Dez entre dez empresários, financistas e representantes do setor produtivo a classificam como “a reforma-mãe de todas as reformas”. Como disse o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr., “nesse assunto temos que parar de discutir o que já se discute há 20 anos e ir para prática, fazer o quanto antes”. O presidenciável Álvaro Dias faz coro: “Temos que refundar a República e isso passa pelas reformas e pela substituição dos sistemas corruptos e incompetentes que vingaram até hoje”. Dias lembrou que 40% de tudo que se produz no Brasil cai nos cofres públicos e evapora em dois itens: previdência e custeio da folha de pessoal. “Temos 52 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza e nossa riqueza se esvai na máquina”.

CLÃ João Campos (PSB), filho de Eduardo Campos e bisneto de Arraes: apoio a Joaquim Barbosa (Crédito:Gustavo Rampini)

Dias, Rocha e Rabello de Castro estavam no Fórum naturalmente querendo puxar votos do Norte/Nordeste. Suas agendas de compromisso, bem como os itens de seus programas de governo passam pelos interesses desse eleitorado muitas vezes esquecido nas campanhas. A crítica é de empreendedores locais. Empresas como o grupo Veneza, de veículos, as usinas de açúcar Petribu, o conglomerado Brennand, dentre outros, movimentam a economia da região e seus controladores não escondem a vontade de serem mais ouvidos. Marcos Melo, do Veneza, Jorge Petribu e Cornelius Brennand defendem uma melhor redistribuição dos impostos por estados e municípios, privilegiando polos de desenvolvimento regional. Esperam uma revisão constitucional nesse sentido.

O jurista Heleno Torres, uma das maiores autoridades em direito comercial e tributário do País, diz que tudo é possível. Mas alerta: não se pode depositar no Judiciário toda a responsabilidade pela solução das encruzilhadas nacionais. “Nós precisamos de segurança jurídica. O papel da Constituição cresce em situações de crise e não é o momento de modificá-la”. De todo modo, as reformas estruturais — da fiscal à previdenciária — terão de passar por uma revisão constitucional.