Mestre em fazer acordos, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não teme a opinião pública e atua em diversas frentes para ampliar seu poder. As pautas que ele tenta impor dão o tom a um País que anda para trás. O combate à corrupção, tema disputado em verso e prosa na última eleição, sofre significativamente com o deputado, que mira os mais eficientes meios de controle dos políticos e orquestra medidas contrárias aos desejos da população, embora atendam muito bem aos interesses do grupo que o elegeu — e, claro, aos anseios de Jair Bolsonaro. Essa base pretende controlar o Ministério Público (MP), enfraquecendo o órgão, abrandar os critérios de improbidade administrativa – mecanismo temido especialmente pelos prefeitos, governadores e presidente -, além de atacar as prerrogativas de investigação da Justiça Eleitoral.

“Se o Conselho Nacional do MP tivesse advertido e punido promotores, eles não teriam chegado tão longe” Paulo Teixeira, deputado federal (Crédito:Pablo Valadares)

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 05/2021, que concede maiores poderes ao Congresso para interferir no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), é um exemplo. De autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), une parlamentares de ideologias da esquerda à direita, sem distinção, sob o comando de Lira. A limitação de poderes do MP interessa muito a Lula e ao PT. A proposta original já era combatida, mas o relator Paulo Magalhães (PSD-BA) entrou no jogo com alterações que politizam ainda mais a utilização do Conselho. Ao que tudo indica, a PEC tem a força de um furacão para ser aprovada, embora tenha se transformado num imbróglio dentro da Câmara. O cientista político Rubens Figueiredo diz que a proposta é uma reação da classe política. “É o contrário do que a opinião pública pensa, mas o MP e a Justiça Eleitoral serão freados”, diz ele.
Até mesmo no Supremo Tribunal Federal (STF) a PEC tem seus aliados. Uma fonte da Corte afirmou que uma das motivações para a tentativa de limitação do poder do MP foi uma sondagem feita pelo procurador Deltan Dallagnol em eventuais negócios de Gilmar Mendes. “Nem todos os ministros do STF têm bom trânsito na política, mas aqueles que o possuem sugerem leis e interferem decisivamente no Congresso”, disse a fonte, que prefere não ser identificada. Mendes seria o principal aliado de Lira dentro do Tribunal.

“Há uma conspiração contra o combate à corrupção no País, e o Ministério Público seria um dos alvos preferidos dos conspiradores” Álvaro Dias, senador (Crédito:Rafael Hupsel)

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) condenou em nota a PEC: “É tentativa legislativa de atingir o coração do MP: a sua autonomia institucional e a independência funcional de seus membros”. A Associação aponta como principais riscos a desconstituição de atos dos procuradores, a inviabilização da atuação independente, a indicação do corregedor-geral e aumento de indicados pelo Congresso. Também entre os políticos há quem discorde de Lira e da PEC. O senador Álvaro Dias (Podemos-PR) escreveu no Twitter que “há uma conspiração contra o combate à corrupção no País, e o MP seria um dos alvos preferidos dos conspiradores”. Na prática, o Conselho poderia interceder nas investigações e atuar politicamente em favor de parlamentares com maior influência. O caso mais emblemático é o do procurador Deltan Dallagnol que foi alvo de processo e punição do órgão. O procurador se posicionou contrário a PEC e escreveu que as corregedorias devem atuar “apenas quando houver de fato abuso e não para satisfazer uma sede de vingança de investigados e réus”.

Tratoraço do combustível

O alinhamento de Lira com Bolsonaro segue também a narrativa de atacar os estados. Ele conseguiu aprovar o Projeto de Lei Complementar 11/20 que torna invariável o ICMS cobrado nos combustíveis. A estratégia é diminuir o valor arrecado pelos governadores. Estima-se que a redução seja de 8% para a gasolina, 7% para o etanol e 4% para o diesel. O ICMS é o principal imposto de arrecadação dos governadores e mantém as políticas de educação, saúde e segurança. É provável que eles venham a questionar o projeto, que ainda precisa transitar no Senado.

Sentado em mais de 130 pedidos de impeachment de Bolsonaro, Lira se tornou mais importante para o presidente que qualquer ministro. Um movimento em falso e o deputado pode colocar em pauta a requisição de impeachment tão esperada. Mas ele sabe que o poder de ter essa carta na manga é mais interessante, além da proximidade com o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI). Juntos, podem ser a última opção de filiação para que Bolsonaro concorra a Presidência em 2022. O alagoano transita com a maestria de quem consegue barrar o voto impresso e ao mesmo tempo forçar uma agenda que dificulta o controle da corrupção. O recado que Lira tem passado aos poderes é que ele sabe o que faz e que vai ter muito apoio. Uma das questões mais controversas na política nacional é a improbidade administrativa. Prefeitos têm pesadelo com a fiscalização, que é severa. Caso as mudanças ocorram, a lei abrirá espaço para que a impunidade seja maior. Quem ficará com as glórias será o presidente da Câmara, que está passando com a boiada nas sessões.