No Brasil conflagrado de hoje, rotular as pessoas parece ter virado exercício nacional. E com a incrível capilaridade das redes sociais, um território onde todos opinam sobre tudo e leitores de orelhas de livros se portam como intelectuais, esse exercício ganha dimensões absurdas, podendo transformar em tsunami a onda de intolerância que atinge o País.

Rotular as pessoas nunca foi prática saudável. No Brasil da ditadura militar, era um recurso muito usado por sabujos dos generais de plantão para evitar a discussão de ideias (até porque a maioria desses lambe botas não tinha recursos intelectuais para tanto). A ditadura acabou, mas o ato de rotular permanece vivo e em escala crescente, agora partindo principalmente daqueles que buscam construir uma narrativa para o impeachment de Dilma Rousseff que não passe pela corrupção e pela transferência indevida de dinheiro público para cofres privados.

Particularmente acho toda rotulação uma imbecilidade, mas a patrulha dos últimos dias sobre o uso da camisa da seleção é uma patrulha de estúpidos. Ninguém é obrigado a gostar de futebol, a assistir aos jogos ou a torcer. Mas rotular aquele que veste a camisa amarela nos jogos da Copa é estupidez pura. E, pior ainda, revela ignorância ao tratar como fascistas todos os que em 2015 foram às ruas bradar contra a corrupção e pedir o impeachment da então presidente. Claro que ali havia a extrema direita, mas estava longe de ser a maioria. Dizer que fascistas tomaram conta da camisa amarela e tratar como alienado aquele que torce pela nossa seleção com o País em frangalhos é bobagem e falta de conhecimento histórico.

Em 1984 usei uma camisa da seleção para ocupar as praças e pedir “Diretas Já”. Aliás, o locutor oficial daquela campanha maravilhosa era Osmar Santos, um extraordinário narrador de futebol. Aliás, naqueles palanques que atraíam multidões estavam jogadores da seleção. Aliás, antes mesmo de se organizar as “Diretas Já “, faixas pedindo democracia eram vistas em estádios de futebol. Em 1985 também usei a camisa amarela para impulsionar a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.

Sete anos depois a camisa voltou às ruas para pedir o impeachment de Collor. Em nenhum momento ela traduziu princípios fascistas ou foi instrumento de alienação, apesar de os militares que ocuparam o poder em 1964 terem tentado fazer da camisa canarinho e do futebol tri-campeão instrumentos políticos. Portanto, recomendo aos senhores e senhoras que vêm usando as redes sociais para rotular aqueles que estão de amarelo, torcendo pela seleção, que façam uma pequena pesquisa. Descobrirão o quanto estão sendo estúpidos.