“Nada que é humano me é estranho”. Peço, aqui, licença para William Shakespeare. Só ele para que seja possível mensurar o tamanho enjoo que causa a imagem da chegada de jatinhos particulares no município baiano de Trancoso, para as festas de Réveillon. Um cenário que foge de qualquer tipo de empatia: pessoas estão dispostas a gerar aglomeração para desejar boas-vindas — nesse caso péssimas — para o novo ano.
Hoje, segunda-feira 28, o Brasil registra mais de 191 mil mortes de coronavírus. Milhares de famílias passaram a noite de Natal e passarão a chegada do novo ano em luto. Para esses que congestionam o aeroporto de Trancoso o luto deve ser uma bobagem. Importam-se com o próprio umbigo e não se solidarizam com o choro daqueles que nem ao menos puderam enterrar os seus entes.
A imagem dos jatinhos chegando no município baiano trará como resposta o gigante aumento no número de casos da doença noas primeiros dias de 2021, mas se os foliões pensarem nisso enquanto abrem champanhe e vestem branco trarão maus presságios — aqui, obviamente, estou me valendo de ironia.
O Brasil está vivendo uma segunda onda da doença. Os leitos de UTIs seguem lotados – e lotando — em todo País. Por ironia ou inconsequente destino, a cidade que causou congestionamento aéreo não tem nenhum leito de UTI. Triste saber que essas pessoas conseguirão beber e comemorar um ano de dor e sofrimento. De vírus versus vida. Começaremos 2021 ainda em luto.
Se essas noventa e cinco aeronaves que pousaram em terras baianas comprovarem a falta de empatia que têm por um inimigo invisível e mortal Shakespeare nunca esteve tão vivo. Afinal, se é humano não há como ser estranho.