Embora tenha ficado neutro na eleição presidencial porque seus filiados ficaram divididos entre os dois candidatos que disputaram o segundo turno, o PSD decidiu apoiar a governabilidade da nova gestão de Lula, participando, inclusive, da equipe de transição. O presidente da legenda, Gilberto Kassab, contudo, preferiu aceitar o convite do governador eleito Tarcísio de Freitas para ser o titular da Secretaria de Governo de São Paulo, ao invés de compor a nova administração petista. “Eu nunca cogitei ser ministro de Lula”, disse Kassab à ISTOÉ, sem esconder sua preocupação com a guerra ideológica existente no País. “A pacificação nacional passa por Lula no governo federal e por Tarcísio no governo de São Paulo”, compreendendo que esse entendimento será facilitado se os dois caminharem mais para o centro. Profundo defensor das urnas eletrônicas, por reconhecer sua eficiência, Kassab acha que a crise dos bolsonaristas, que protestam com bloqueios nas estradas e defronte os quartéis contra a eleição de Lula, já foi longe demais. “Fraudes existiam sim, e muitas, quando a votação era em cédula de papel.”

Desde que o PSD decidiu apoiar Lula, comentava-se que o sr. poderia ser ministro, mas o sr. acabou aceitando ser secretário de Governo de Tarcísio de Freitas. Por quê?
Eu nunca cogitei ser ministro do presidente Lula. O PSD adotou uma posição de neutralidade e eu, como presidente do partido, entendi, ao longo da campanha, que o mais adequado era ficar na posição de neutralidade. É evidente que quem fica nessa posição não se sente confortável para assumir um cargo no governo. O PSD teve diversos companheiros que apoiaram a candidatura do Lula, como os senadores Otto Alencar e Omar Aziz, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes. Mas diversos outros apoiaram a candidatura do presidente Bolsonaro, como foi o caso do governador Ratinho Junior (PR).

O governo Tarcísio é sua prioridade?
Em relação a São Paulo, todos sabem que eu participei com bastante intensidade da candidatura do governador Tarcísio de Freitas. Tenho colaborado com ele e vou continuar colaborando agora como titular da Secretaria de Governo. Vou continuar atendendo as demandas que o governador entender que devam ser direcionadas para mim, para que eu possa ajudá-lo nessa jornada que é muito importante para São Paulo. Afinal, nosso objetivo é que nos próximos quatro anos o Brasil retome o desenvolvimento, a geração de empregos e nos permita concluir tantas obras que têm sido o sonho dos paulistas ao longo das décadas, como a expansão das linhas do Metrô, a ampliação das escolas em período integral, a melhoria da qualidade do atendimento público de saúde e a conclusão do Rodoanel. Enfim, muitos projetos que temos a expectativa de realizar sob o comando de Tarcísio no governo de São Paulo.

A presença do sr. no governo paulista, com posições mais ao centro, evitará que Tarcísio leve o governo mais para a extrema direita bolsonarista?
Isso é maldade das pessoas que querem menosprezar a inteligência do governador Tarcísio. Ele já mostrou a sua liderança e soube, ao longo da campanha, compor um arco de alianças que tem a marca da centro-direita paulista e isso continuará ao longo do governo. Para fazer Isso, ele não precisa da minha presença no governo. Seria até uma arrogância e desrespeito com a imagem do governador dizer que um secretário possa ter essa condição.

O sr. poderia fazer uma ponte entre o governo de São Paulo e o governo Lula?
Não tem sentido o governador de São Paulo não ter uma linha direta com o presidente da República. Ele é o governador do estado mais importante da federação e em qualquer que seja o governo ou o partido no poder essa ligação acontecerá naturalmente. É evidente que eu vou estar à disposição do governador para ajudar nesses entendimentos. Afinal, fui ministro, deputado federal, estadual e prefeito de São Paulo, mas o Tarcísio é que vai liderar essa relação com o presidente.

Tarcísio vai montar um secretariado mais técnico e menos bolsonarista?
Eu sempre defendo governos técnicos. Eu fui o mais longevo prefeito de São Paulo e fiz uma administração técnica. Fiz o mesmo quando ocupei ministérios ou secretarias, seja na esfera municipal, estadual ou federal. Sempre compus as minhas equipes tecnicamente e a minha relação no mundo político é a melhor possível. Portanto, eu vejo com muito entusiasmo a composição de uma equipe técnica como pretende Tarcísio, pois tenho certeza que dessa maneira os resultados serão muito mais satisfatórios.

A guerra ideológica que havia entre o governo federal e os governos estaduais irá acabar?
Temos que entender que a guerra ideológica se encerra com as eleições. Passado o pleito, os vencedores vão governar e os perdedores vão fiscalizar. Temos que ter essa cultura no Brasil, qualquer que seja a eleição. Porque essa é a essência da democracia.

O sr. acredita que Lula conseguirá pacificar o País?
Entendo que essa pacificação será possível e movimentos nesse sentido passam muito por Lula na Presidência e o Tarcísio no governo de São Paulo. Acho que se os dois caminharem mais para o centro, teremos maior possibilidade de construir o entendimento nacional.

Por que Bolsonaro ainda insiste em questionar o resultado das eleições, já que elas foram limpas e democráticas?
Olha, é sempre difícil perder, mas devemos registrar que as instituições estão funcionando, a transição está acontecendo, a solenidade de posse está sendo preparada e o governo eleito já está escolhendo seus ministros. Felizmente as coisas vão andando dentro da normalidade democrática.

Como o sr. está acompanhando a reclusão de Bolsonaro, que praticamente não está governando e nem tem ido ao Palácio do Planalto?
Toda a derrota é difícil mesmo. Mas havia informações de que ele estava com problemas de saúde, uma erisipela ou coisa assim…

O sr. acha que Tarcisio não deve aceitar a interferência de Bolsonaro na sua administração, já que o presidente tem feito muito mal à política brasileira?
O Tarcisio foi eleito pelas forças de direita, onde Bolsonaro é forte, e também pelas forças do centro. Portanto, seria totalmente equivocado ele não compor um governo que envolva as forças bolsonaristas, o próprio presidente Bolsonaro, além de todas as lideranças da direita que o elegeram. Acho que isso é importante, porque faz parte do processo que o levou a se eleger governador de São Paulo.

Acredita que o presidente tem sido conivente com as manifestações nas estradas e em portas de quartéis feitas pelos bolsonaristas que pedem um golpe militar e que Lula não seja empossado?
Eu vi também que ele fez um pronunciamento pedindo para que os manifestantes deixassem de obstruir as estradas. Foi um posicionamento muito positivo. Então, eu não tenho como corroborar as críticas que têm sido feitas nesse sentido em relação a ele.

O sr. concorda que esses protestos já passaram do limite, uma vez que já está mais do que provado que as urnas eletrônicas são seguras?
Eu sou um entusiasta da votação eletrônica. Fui candidato com cédula de papel e também com as urnas eletrônicas, e tenho certeza de que as eleições eletrônicas são muito mais honestas e transparentes. Fraudes existiam sim, e muitas, quando a votação era em cédula de papel. Acompanhei a questão não apenas como candidato, mas também como ministro da Ciência e Tecnologia, participando de diversos seminários que envolveram a utilização da urna eletrônica. Estou convencido da seriedade e da lisura que as urnas eletrônicas dão às eleições.

Entende que diante das atitudes consideradas antidemocráticas, Bolsonaro terá condições morais e políticas de liderar a oposição a Lula?
Acho que ele será o grande líder da oposição. Afinal, ele está à frente de um partido que tem 99 deputados e 14 senadores. Portanto, o PL será o grande partido de direita em oposição a Lula, sem contar que ele ainda deverá ter o apoio do PP e do Republicanos, partidos que se uniram a ele na coligação formada para disputar as eleições.

Como o sr. está vendo o debate sobre a PEC da Transição para ampliar o Bolsa Família? O valor deve ser bem menor do que os R$ 200 bilhões desejados por Lula, certo?
Uma coisa é certa. O Eduardo Suplicy tinha razão. O Brasil precisava de uma renda mínima e ela foi implantada, não sei se como Bolsa Família ou como Auxílio Brasil, mas fica claro que a ajuda era necessária. Eu tenho uma relação profunda com a cidade de São Paulo, onde fui prefeito por sete anos. Então eu conheço muito bem a cidade e constato que esse auxílio tem sido fundamental para milhões de pessoas. Elas não conseguiriam mais viver sem essa ajuda. Então, a PEC tem por objetivo inicial garantir a continuidade dessa renda mínima.

O PSD votará a favor?
A PEC será aprovada, tanto assim que no meio da campanha, quando foi votado o auxilio de R$ 600, até o PT, que era adversário do governo, votou a favor. Então, vai ser igualzinho agora. Não há quem possa votar contra. Quem fizer isso, perde o respeito. O povo está contando com o recurso, que vai ser utilizado pelas pessoas que não têm o que comer. Em relação aos valores e objetivos da PEC tudo tem ser conduzido com muito cuidado para que a gente possa atender as exigências em um regime com responsabilidade fiscal. Temos que avançar no campo social, mas temos também que encontrar o ponto de equilíbrio fiscal do País, o que também é essencial.

Está faltando articulação política de Lula no Congresso para viabilizar a PEC?
Eu não acho que está faltando articulação. Faz um mês que o governo se elegeu. Então as coisas vão acontecendo gradualmente, e a articulação vai se consolidando. Os articuladores vão sendo definidos e o governo ainda está escolhendo seus ministros. O problema é que o governo está se iniciando com a roda andando.

Tudo indica que o futuro ministro da Fazenda será o ex-prefeito Fernando Haddad. O que o sr. acha disso?
Os ministros precisam ser escolhidos até o dia 15, porque depois vem o Natal e Brasília para. Caso Fernando Haddad seja o escolhido, entendo que ele é uma pessoa bem preparada, inteligente e com a experiência de ter sido ministro e prefeito de São Paulo. Torço para que tenha condições de montar uma excelente equipe e dar as respostas que a economia brasileira tanto precisa.